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O deserto se alonga. Desde o alto da duna, Jesus percebe que naquele areal não há como saciar a fome. Nenhuma árvore, nenhum animal a ser abatido, nenhum rio com peixe para pescar. De repente, uma voz mansa, delicada, sugere: …és filho de Deus, transforma essas pedras em pães. O teu dedo estendido pode servir de varinha mágica; tua palavra pronunciada tem mais poder que uma pedra filosofal.
A sugestão de transformar pedra em pão não cumpriria um desejo, saciaria uma necessidade desesperada. O milagre não seria espetáculo – na solidão do deserto não há espectador para deslumbrar-se com o recurso mágico.
Jesus rejeita a sugestão. Não só de pão vivem as pessoas… Ele não aceita enfrentar os percalços da vida com solução milagreira. Já de início reconhece que não existe dignidade no pão sem suor. Não é ético buscar resolver-se, pontualmente, enquanto outros não dispõem do recurso de apelar a uma divindade onipotente e ganhar seu favor. Ao preferir a possibilidade de morrer de fome, Jesus estabelece as bases de sua missão. Dali para frente, ninguém deve supor que ele veio limpar o caminho de homens e mulheres das dificuldades. A existência não será aplainada com intervenções sobrenaturais.
O pão físico deve vir do trabalho – Do suor do teu rosto comerás o teu pão. E a solução para o desafio de suprir a todos com alimento depende de uma sociedade justa e solidária, jamais da eficiência de uma religião.
Jesus de Nazaré buscou mostrar que o filho do homem – referindo-se não só a si, mas a todos nós – não deve recorrer a uma divindade para enfrentar a existência. O cristo que oferece atalho é, na verdade, uma contrafação, um Anticristo. Vida isenta de dificuldade, e que se resolve com prodígios esporádicos, não passa de delírio religioso. No mundo vocês terão problemas, mas vejam como eu encarei os meus problemas e os venci, e tenham bom ânimo [João 16.33].
Jesus abriu mão dos privilégios. Qualquer prerrogativa divina, qualquer superioridade inerente ao seu nascimento, esvaziou-se na negação de transformar pedra em pão. A mesma atitude deve se reproduzir nos discípulos. A única prerrogativa cristã a ser ambicionada consiste no poder de sentir a miséria do pobre e ser solidário a ele. A sensibilidade de dizer não à violência, que galardoa poucos e despreza muitos, combina com a sentença: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos.
O único pão vindo do céu é o que sacia de transcendência, de beleza e de sentido. Os seus antepassados comeram o maná no deserto, mas morreram. Todavia, aqui está o pão que desce do céu, para que não morra quem dele comer. [João 6.49-50].
Qualquer outra mensagem que coincida com a oferta do deserto deve ser rechaçada; é sugestão luciferiana.
Soli Deo Gloria
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