S.R., 48 anos, porteiro: “Já consegui oito gays para Jesus, inclusive um que foi meu namorado” (foto: Edvaldo Santos)
Allan de Abreu, no
Diário Web
via Pavablog
O porteiro rio-pretense S.R., 48 anos, divide sua vida em duas partes. Na primeira delas, era o homossexual assumido, garoto de programa, namorado do chefão do tráfico na Rocinha. Na segunda, o evangélico hétero, casado, pai de dois filhos. Um ex-gay. “Eu nasci daquele jeito”, diz, sobre sua homossexualidade. “Mas hoje estou curado.”
A história de S.R., que preferiu não se identificar, joga luz na polêmica sobre a denominada “cura gay”. Algo possível para os evangélicos, que encaram como “pecado condenável” passível de reversão, e absurdo para os psicólogos, defensores da liberdade sexual. Uns e outros se digladiam há duas semanas, desde que a comissão de direitos humanos da Câmara Federal, presidida pelo deputado Marco Feliciano (PSC), da bancada evangélica, aprovou projeto que autoriza psicólogos a tratar a homossexualidade.
Nesse debate, cada um apresenta as suas armas. Para o pastor Jesus José dos Santos, a homossexualidade é um vício, fruto de um “espírito maligno que escraviza a pessoa”, passível de reversão. “A partir do momento em que a pessoa conhece a palavra de Deus e aceita Jesus, ela pode mudar”, afirma o pastor rio-pretense. Na Igreja Apostólica Cristã, o pastor Denilson Donizeti Anselmo afirma ter convertido seis homossexuais. “A vida cristã é de renúncia a determinados comportamentos, e a homossexualidade é um deles”, argumenta.
Já o Conselho Regional de Psicologia (CRP) condena a tentativa de alterar a lei. “Há duas décadas o homossexualismo deixou de ser doença no mundo. Por isso aprovar essa lei é um retrocesso incabível”, afirma Luís Fernando de Oliveira Saraiva, presidente do comitê de ética do conselho. Para ele, o tratamento psicológico da homossexualidade pode gerar efeitos colaterais graves no paciente, como angústia e sensação de inadequação.
“Cada um deve viver a sexualidade à sua maneira”, argumenta Saraiva. Entidades ligadas aos gays, como o Grupo de Amparo ao Doente de Aids (Gada), em Rio Preto, fazem coro aos psicólogos. “Homossexualidade não é e nunca foi doença. Pensar assim é pura homofobia”, afirma Fábio Takahashi, coordenador de projetos da ONG.
Prova viva
A alegada mudança de sexualidade de S.R. reforça os argumentos dos evangélicos de que é possível a “cura gay”. “Sou a prova viva de que é possível aceitar Jesus e mudar.” O porteiro diz que sempre se viu diferente dos outros meninos. “Eu gostava de brincar de boneca com as garotas”, lembra. Adolescente, assumiu sua homossexualidade, e passou a fazer programas em Rio Preto e São Paulo, no início dos anos de 1980. Nesse tempo, foi para o Rio de Janeiro, e acabou na favela da Rocinha, onde se tornou namorado do maior traficante da comunidade.
“Um dia a polícia subiu o morro, e tive de fugir com a roupa do corpo”, lembra. Voltou para Rio Preto na boleia de caminhões. “Fazia programa em troca de carona.” A vida do porteiro começou a mudar quando, dias depois do Carnaval de 1992, uma vizinha da família, no bairro Boa Vista, convidou ele e a mãe para irem a um culto evangélico. S.R. foi. “Fiquei tocado com as palavras do pastor. E pensei na minha condição de gay, nos casamentos que eu destruí. Não queria mais aquela vida errada.”
Mas a transformação não veio do dia para a noite. S.R. teve recaídas, e só teve o que chama de “libertação total” da homossexualidade um ano depois. “Todo aquele prazer saiu de mim.” O porteiro casou-se e teve dois filhos, hoje adolescentes. Mas o casamento durou apenas cinco anos. Após o divórcio, S.R. mudou-se para Brasília, e admite que a “tentação” da homossexualidade voltou com força.
“Mas não cheguei a sair com homens. Foi apenas no pensamento.” Hoje, “curado”, ele dá seu testemunho em igrejas evangélicas Brasil afora. “Já consegui oito gays para Jesus, inclusive um que foi meu namorado. Hoje são obreiros e pastores.”
Odivaldo e Adriana: ideia é atrair públicos homossexual (foto: Johnny Torres)
Pastor planeja criar ‘igreja gay’ em Rio Preto
Evangélico, Odivaldo Silva Manhozzo, 37 anos, lutou durante anos contra sua homossexualidade. Até que desistiu. “Não achei essa libertação de que falam”, diz. Agora, a Bíblia com detalhes em rosa revela seus propósitos. Ele e a pastora Adriana Senna Bracioli, 41 anos, planejam a fundação da primeira igreja evangélica gay de Rio Preto: a Missão Livres para Adorar.
“Seremos abertos para todos os públicos, inclusive os homossexuais. Se outras igrejas não toleram, nós aceitamos a pessoa do jeito que ela é, sem nenhuma pressão para abandonar a homossexualidade. Ele só deixa de ser gay se quiser”, afirma Odivaldo. Ele e Adriana já imprimiram folhetos para distribuir na próxima parada gay de Rio Preto, prevista para o fim de julho.