Igreja do Paissandu, no centro de SP. |
Talita Ribeiro, especial para o Pavablog
Nasci em um lar evangélico, meu nome, Talita, é bíblico, me batizei aos 13 anos, porém, tive idas e vindas na religião, ainda que Deus tenha sido sempre presente na minha vida, o que me faz muito grata. Não é de se estranhar, então, que eu tenha entrado em uma igreja católica pela primeira vez aos 8 anos, após insistir muito com a minha mãe. Não era nenhuma data especial, eu havia acabado de sair do meu pediatra e estava a caminho do ponto do ônibus para voltar para casa.
Aquela construção, no meio do Largo do Paissandu, em São Paulo, chamava a minha atenção há algum tempo, porém, me dava medo quase na mesma medida que despertava curiosidade, isso porque estava cheia de “santos”, que, para muitas pessoas com as quais eu convivia, eram representações de demônios.
Ao pisar dentro da igreja sozinha, demorei para conseguir olhar as paredes com aquelas imagens, mas, passo a passo, fui a desvendando, até chegar ao púlpito. Lembro que não voltei correndo para a praça, mas foi quase isso, pois estava receosa que algo ruim acontecesse, afinal, aquele era um lugar proibido até então.
Mais de 10 anos depois, fui ao Santuário de Fátima, em Portugal, para fazer uma matéria sobre um dos principais destinos religiosos do mundo. Católico, dedicado e inspirado em uma santa.
No ônibus, senhoras já rezavam com seus terços em mãos, carregavam fotos de conhecidos, velas, entre outras lembranças de milagres, realizados ou pedidos para Fátima. Se aos 8 anos eu não tivesse entrado na igreja do Paissandu e saído “ilesa”, talvez não conseguisse me emocionar tanto com a fé de quem crê no que eu não creio, mas respeito.
No Santuário, ao observar devotos de joelhos, percorrendo uma imensidão branca até a basílica, meus olhos ficaram cheios de lágrimas. É tocante ver como os outros se relacionam com o sagrado e se entregam àquilo que acreditam. Escrevi a reportagem com base no que vi, mas também naquilo que ouvi, de mente e coração abertos, de quem foi curada de um câncer com a ajuda de sua fé, que é tão bonita e válida quanto a minha.
Através de um livro, especificamente o primeiro da trilogia Deuses de Dois Mundos, de PJ Pereira, fui apresentada à mitologia africana e, não se assustem, à história dos orixás, que servem como base para religiões como o candomblé e a umbanda.
O Livro do Silêncio mistura o misticismo africano com uma ficção atual, sobre um jornalista que, sem querer, entra em contato com esse mundo mágico e vai, aos poucos, descobrindo os orixás. Alguns, confesso, já me eram familiares, por serem repreendidos em cultos, principalmente neopentecostais, como Exu e Xangô. Outros eu conhecia das músicas de Maria Bethânia e cantores da MPB, como Oxum e Iansã. Porém, nunca havia parado para ler sobre eles, talvez pelo mesmo medo infantil que eu tinha dos santos.
Após devorar o livro, fiquei pensando no quanto nos distanciamos dos outros e da nossa própria cultura, como brasileiros e filhos-netos-bisnetos de africanos, por puro preconceito. O quanto é absurdo ainda demonizar a mitologia africana, mas utilizar a mitologia greco-romana em nossas pregações, em nosso dia a dia.
Por que uma cultura pode ser estudada nas escolas e nos seminários e a outra não? Por que consideramos que uma tenha sabedoria, apesar dos “deuses pagãos”, e a outra apenas perdição com seus “demônios”? Será que isso não guarda em si um resquício de racismo? Do feitor que proíbe e desqualifica a religião dos escravos?
Levantar esses questionamentos não faz com que eu adote novos deuses ou me afaste do cristianismo, mas sim, que me aproxima ainda mais de Jesus Cristo, lembrando sempre que ele não veio para julgar o mundo, mas para salvá-lo (João 3:17 e João 12:47). E é impossível ter a pretensão de salvar algo ou alguém sem estar próximo a ele, sem ter compaixão e empatia, sem entender e respeitar – não acreditar ou praticar – a fé do outro.
O teólogo Leonardo Boff publicou recentemente um texto onde questionava “Por que no meio da dor os negros dançam, cantam e riem?”, com base nas cenas do funeral de Nelson Mandela, na África do Sul, e indicava três coisas que deveríamos reaprender com os povos africanos, sendo que a última dizia respeito aos seus rituais e celebrações.
Em momento algum Boff indagou se as pessoas estavam cultuando os deuses certos ou errados, mas se concentrou em entender o que as manifestações representam e o que podem agregar a qualquer pessoa ou a uma sociedade como a nossa. E é esse o convite que eu faço nesse texto, que a gente consiga olhar para o outro e para a mitologia africana, não como uma ameaça, mas como uma fonte de sabedoria que merece ser respeitada.
Se você ficar receoso quanto ao que essa “aproximação” com quem é diferente pode causar na sua vida espiritual, aconselho que leia 1 Coríntios capítulo 7 do versículo 12 ao 17. E que entenda, a fé cristã não deve nos afastar, mas sim unir ao próximo, seja ele quem for, tenha a religião que tiver, só assim poderemos viver e cumprir o maior mandamento deixado por Jesus.
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