Mauricio Zágari, no Apenas 
via pavablog 
Era um dia como outro qualquer no seminário teológico em que eu dava 
aula. De repente, em meio aos debates da classe, uma irmã soltou o 
comentário: “Ah, professor, porque na época em que eu era da Igreja 
Sorveteriana…”. Eu parei, de início sem entender. Mas, enfim, caiu a 
ficha. O seminário pertencia a uma denominação pentecostal. E a 
referência que aquela irmã estava fazendo era à Igreja Presbiteriana. O 
trocadilho ficou por conta da intolerância que existe da parte dos 
pentecostais com as igrejas tradicionais que, segundo eles, são “frias” 
(como um sorvete, na lógica da piada). Então a totalmente bíblica, séria
 e relevante Igreja Presbiteriana virou… sorveteriana. Esse episódio, 
aparentemente bobo, ocorreu há alguns anos, mas ficou marcado na minha 
memória. Pois, naquele dia, eu tive de admitir algo que é muito doloroso
 para um cristão: nós, evangélicos, somos intolerantes. Aliás, muito 
intolerantes.
Pronto: agora você que, como eu, é evangélico, ficou chateado ou 
revoltado comigo, porque fiz essa afirmação. “Imagina, Zágari, somos o 
povo de Deus, a noiva do Cordeiro, embora odiemos o pecado amamos o 
pecador, como você ousa dizer que somos intolerantes?! Intolerantes são 
os islâmicos, os talibãs, os ateus, os hindus, os neonazistas… nós 
jamais!”. Bem, lamento te dizer que Papai Noel não existe, mas se por 
acaso você pensou qualquer coisa parecida com isso… esse seu simples 
pensamento já comprova a minha afirmação. Por quê? Porque você não 
suportou o fato de eu ter essa opinião, se ela diverge da sua. Para 
comprovar isso basta abrir o dicionário e ler a definição de intolerante: “Aquele que não pode suportar as crenças e as opiniões alheias, se divergem das suas“.
Olhe
 em volta. Leia o que é escrito todos os dias nas redes sociais cristãs.
 Ouça o que os telepastores dizem. Sente para comer uma pizza com os 
irmãos da sua igreja e escute o que eles falam sobre as outras 
denominações. O que você vai encontrar é um oceano de intolerância. E 
não estou falando de intolerância contra o pecado, contra grupos gays, 
contra o governo. Estou falando de intolerância contra outros membros do
 próprio Corpo de Cristo. Ou seja: a Igreja tornou-se intolerante com a 
Igreja. A mão não suporta que o pé tenha cinco dedos, o pé não suporta 
que a barriga tenha umbigo e a barriga não suporta a crença da boca de 
que ela tem 32 dentes.
De um lado, por exemplo, você tem pentecostais, que não toleram as 
igrejas históricas. Porque, afinal, batistas, presbiterianos, metodistas
 e outros ditos “tradicionais” de repente não batem palmas em seus 
cultos, não falam em línguas estranhas em voz alta, não ficam gritando 
“glória” e “aleluia” na hora da pregação, não expulsam demônios e outras
 coisas mais. Graças a coisas como essas, o pentecostal no mínimo 
coleciona piadinhas que desmerecem as crenças e práticas dos 
tradicionais – isso quando não fazem acusações sérias sobre eles, como 
as de “não darem lugar ao Espírito” ou serem igrejas “sem poder”. Algum 
pentecostal aí vai dizer que isso não acontece? Fato é que nós, 
pentecostais, não suportamos as crenças e as opiniões dos tradicionais. E
 se intolerante é aquele que não pode suportar as crenças e as opiniões 
alheias, se divergem das suas, perdoe-me, mas nos encaixamos direitinho 
na definição do dicionário. E falo como pentecostal que sou.
Por outro lado, há os tradicionais, que não suportam o tipo de culto 
dos pentecostais, segundo eles “sem ordem nem decência”. Não suportam a 
crença de que os dons – como o de profecia e o de variedade de línguas –
 permanecem atuantes nos nossos dias. Muitos não aceitam expressões mais
 expansivas de louvor e demonstrações de adoração que saiam de uma 
liturgia que deve seguir estritamente sua opinião de como uma liturgia 
deve ser – de preferência descrita direitinho num boletim. E se 
intolerante é aquele que não pode suportar as crenças e as opiniões 
alheias, se divergem das suas… olha o dicionário pondo o dedo na cara 
dos tradicionais.
E isso é só a ponta do iceberg. Os adeptos da Missão Integral se irritam profundamente
 com os cristãos que não botam fé em seu modelo de ação global junto à 
sociedade. Os que são contra a Missão Integral os acusam de marxismo 
travestido de cristianismo. A Igreja Emergente não suporta a opinião dos
 ortodoxos e os ortodoxos discordam veementemente das crenças de 
miscigenação igreja-sociedade da Igreja Emergente. Quem ama “Love wins” 
acusa John Piper de não ter amor. Quem gosta de John Piper não tolera o 
suposto universalismo de Rob Bell. Os teólogos da Teologia Relacional 
não suportam a crença de que Deus está no controle das catástrofes 
mundiais e quem defende a soberania de Deus sobre tudo o que ocorre no 
mundo não suporta a opinião dos defensores da Teologia Relacional. Os 
desigrejados não suportam a Igreja institucional e quem frequenta a 
Igreja institucional não suporta a opinião da igreja dos sem-igreja. Os 
arminianos não suportam as crenças dos calvinistas e os calvinistas 
pensam que arminianismo é uma tremenda ignorância teologica.
E por aí vai.
Haveria muito mais a dizer e a comparar, muito mais setores, divisões
 e facções dentro da Igreja Evangélica. Mas creio que você já conseguiu 
captar o espírito da coisa, não preciso ficar listando tudo aqui. A 
verdade é que a Igreja Evangélica tem demonstrado uma gigantesca 
intolerância em suas ramificações, pois “não pode suportar as crenças e 
as opiniões alheias, se divergem das suas”.
A grande questão
E direito de cada um crer no que quiser. Algumas das teologias que 
mencionei acima eu considero heresias, outras considero posturas 
equivocadas. Mas a grande questão é: como lido com isso? Como trato os 
irmãos que discordam de mim? (E repare que os chamei de irmãos, apesar das divergências). O cerne do problema está no trecho da definição do dicionário de intolerante
 que se refere a “não poder suportar”. Pois “não poder suportar” se 
traduz na prática como sendo algo com que é impossível de se lidar. E, 
por isso, já que é impossível lidar de modo racional, faz-se da forma 
mais primitiva, instintiva e animalesca que é possível a um ser humano: 
com ofensas, agressões, destratos, acusações, ad hominem, 
piadinhas de mau gosto, demerecimento do que é importante para o outro e
 por aí vai. E tudo isso, meu irmão, minha irmã… é um comportamento 
mundano. E, logo, é pecado.
Sim, é pecado, pois as Sagradas Escrituras deixam claro:
“Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo” (Lucas 10.27).
“E se há algum outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.” (Romanos 13.9b).
“Porque toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Gálatas 5.14).
Sim: a intolerância exclui o amor.
Ou seja: na maioria dos casos a nossa discordância se torna 
intolerância e a intolerância se torna o pecado da falta de amor ao 
próximo. E como um abismo chama outro abismo, o passo seguinte à falta 
de amor ao próximo é outro grande pecado que tem assolado a Igreja 
Evangélica brasileira: desunião. Mas sobre isso falarei em outro artigo.
Sim, eu e você somos intolerantes. E, consequentemente, arrogantes. 
E, consequentemente, pecadores. Está mais do que na hora de deixarmos 
essa intolerância, essa arrogância e esse pecado de lado. E a única 
forma para alcançarmos esse objetivo é passarmos a ser aqueles que podem
 SIM suportar as crenças e as opiniões alheias, mesmo se divergem das 
nossas. E isso só será possível se nos concentrarmos no que é comum a 
todos os membros do Corpo de Cristo, seja a mão, o pé, o olho, o duodeno
 ou o pâncreas: o DNA que todos esses membros carregam em si: Cristo.
 Seus ensinamentos e mandamentos. Dar a outra face. Andar a segunda 
milha. Ajudar o inimigo ferido. Tomar a própria cruz e segui-lo. Viver a
 espiritualidade plena que o Evangelho propõe. Chegade 
intolerância. Chega de perder tempo discutindo bobagens. Chega de 
defender com orgulho besta o seu ponto de vista. Ouça mais. Fale menos. 
Pare de ser o dono da verdade e esteja aberto a outras possibilidades. 
Se te acusarem, responda com gentilezas. Ame quem discorda de você. No 
mínimo, trate-o com amor e respeito. Discuta ideias, não ofenda pessoas.
Últimas palavras
Oremos todos por isso. Ajamos nesse sentido. Para que abandonemos imbecilidades
 como chamar aqueles que são diferentes de nós de “sorveterianos”. Pois 
isso não é uma piadinha sem maldade. É sintoma de uma doença grave,  que
 tem infectado a Igreja Evangélica: o câncer da intolerância. E
 que provoca efeitos colaterais demoníacos, como a falta de amor. É isso
 é algo muito sério, e que fazemos aos montes, seja falando mal de um ou
 outro numa twitcam, num tweet, no facebook, no youtube, nos corredores 
da igreja ou na roda dos escarnecedores. Se você age com essa 
irreverência, chega. Basta. Promova a unidade que Jesus pediu em oração 
ao Pai que tivéssemos. Esse é o meu e o seu papel. Pois só assim seremos
 uma Igreja que começa a engatinhar rumo à tolerância que Jesus espera 
de nós.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Edlene
ResponderExcluirGostei muito desse artigo,vc esta de parabéns Deus continue abençoando a sua vida.