por Tom Fernandes, no seu blog
Não me lembro de quando me dei conta pela primeira vez de estar
procrastinando. Mas já há alguns anos percebi que o gatilho e a mecânica
da coisa nos são sempre os mesmos. Como uma espécie de boicote a si
mesmo, quem procrastina deliberadamente se ocupa de trivialidades,
deixando para lá e para depois a coisa a ser feita, a decisão a ser
tomada, a resposta a ser dada. Procrastinar não é render-se à preguiça.
Procrastina-se trabalhando, estudando, vivendo, amando, morrendo. Como
fosse um assunto pendente, um conserto aguardando peça, o assunto
procrastinado se torna um zumbi, fantasminha nada camarada.
Diz a Gestalt que devemos fechar ciclos, etapas, gestalts. O
procrastinador teme concluir o serviço e ficar sem? Teme resolver uma
relação desgastada e morrer forever alone? Teme terminar a
faculdade e não mais ser um promissor universitário, mas apenas mais um
desempregado? Procrastinar é, num exemplo bem nerd, terminar a fase, mas
não passar pelo portal? Ouvi de um consultor de carreiras uma vez: na
carreira, há o tempo de trocar o par de tênis pelos sapatos engraxados.
Procrastina-se com medo do futuro duvidoso e incerto? Por apego ao ninho
quente, aconchegante e confortável? Procrastinar é apenas se acovardar?
Em tempos onde tudo é virtualmente possível, mas os pilares
concretos de nossa existência encontram-se carcomidos por incertezas
corrosivas, seria a procrastinação um salvaguardo? Seria a
procrastinação o escudo combalido a nos livrar das marretadas
inclementes dos que acima de nós querem nos destinar este ou aquele fim?
Como um grito tácito, o procrastinador faz greve branca contra quem o
aprisiona? Como um escravo que cospe no vinho de seu senhor, é a
procrastinação uma represália silenciosa contra os que nos empurram de
cá pra lá, tal fôssemos um jogo de sofás ou mesa de centro na sala da
vida?
Descobri as minhas respostas, os meus motivos, as minhas razões
para procrastinar e, súbito, quase não mais procrastino. Não que tenha
me tornado a mais diligente das pessoas. Não que meus índices de
produtividade e assertividade tenham deixado Steve Jobs e Eike Batista
com invejinha. A minha resposta eu a achei numa atitude inicial: a
negativa. Antes de pegar um computador familiar para consertar, sem que
isso fosse valorado ou valorizado, neguei o serviço e indiquei o
profissional especializado. Antes que o sofrimento de um trabalho
moralmente duvidoso me alcançasse, o dispensei ainda na proposta. Não
abri ciclos sabidamente viciosos.
Sofri horrores antes, morri em vida diversas vezes. Fiz também
gente boa e amigos queridos sofrerem como efeito colateral. E descobri
que a procrastinação delongada torna ainda maiores as perdas, as dores e
as angústias. Alguns desses ciclos eu vinha tentando fechar há mais de
década. Aprendi a desistir deles. Aprendi a descartá-los quando
possível. Faltam dois ou três assuntos para resolver, para que não
precise mais procrastinar sobre eles. E o medo da ausência não se
confirmou. A qualidade veio justamente pela diminuição da quantidade,
paradoxo que adorei descobrir falso; a melhor lição sobre a triste arte
de procrastinar.
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