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"Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história." Bill Gates

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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Da triste arte de procrastinar


por Tom Fernandes, no seu blog

Procrastinar

Não me lembro de quando me dei conta pela primeira vez de estar procrastinando. Mas já há alguns anos percebi que o gatilho e a mecânica da coisa nos são sempre os mesmos. Como uma espécie de boicote a si mesmo, quem procrastina deliberadamente se ocupa de trivialidades, deixando para lá e para depois a coisa a ser feita, a decisão a ser tomada, a resposta a ser dada. Procrastinar não é render-se à preguiça. Procrastina-se trabalhando, estudando, vivendo, amando, morrendo. Como fosse um assunto pendente, um conserto aguardando peça, o assunto procrastinado se torna um zumbi, fantasminha nada camarada.

Diz a Gestalt que devemos fechar ciclos, etapas, gestalts. O procrastinador teme concluir o serviço e ficar sem? Teme resolver uma relação desgastada e morrer forever alone? Teme terminar a faculdade e não mais ser um promissor universitário, mas apenas mais um desempregado? Procrastinar é, num exemplo bem nerd, terminar a fase, mas não passar pelo portal? Ouvi de um consultor de carreiras uma vez: na carreira, há o tempo de trocar o par de tênis pelos sapatos engraxados. Procrastina-se com medo do futuro duvidoso e incerto? Por apego ao ninho quente, aconchegante e confortável? Procrastinar é apenas se acovardar?


Em tempos onde tudo é virtualmente possível, mas os pilares concretos de nossa existência encontram-se carcomidos por incertezas corrosivas, seria a procrastinação um salvaguardo? Seria a procrastinação o escudo combalido a nos livrar das marretadas inclementes dos que acima de nós querem nos destinar este ou aquele fim? Como um grito tácito, o procrastinador faz greve branca contra quem o aprisiona? Como um escravo que cospe no vinho de seu senhor, é a procrastinação uma represália silenciosa contra os que nos empurram de cá pra lá, tal fôssemos um jogo de sofás ou mesa de centro na sala da vida?

Descobri as minhas respostas, os meus motivos, as minhas razões para procrastinar e, súbito, quase não mais procrastino. Não que tenha me tornado a mais diligente das pessoas. Não que meus índices de produtividade e assertividade tenham deixado Steve Jobs e Eike Batista com invejinha. A minha resposta eu a achei numa atitude inicial: a negativa. Antes de pegar um computador familiar para consertar, sem que isso fosse valorado ou valorizado, neguei o serviço e indiquei o profissional especializado. Antes que o sofrimento de um trabalho moralmente duvidoso me alcançasse, o dispensei ainda na proposta. Não abri ciclos sabidamente viciosos.

Sofri horrores antes, morri em vida diversas vezes. Fiz também gente boa e amigos queridos sofrerem como efeito colateral. E descobri que a procrastinação delongada torna ainda maiores as perdas, as dores e as angústias. Alguns desses ciclos eu vinha tentando fechar há mais de década. Aprendi a desistir deles. Aprendi a descartá-los quando possível. Faltam dois ou três assuntos para resolver, para que não precise mais procrastinar sobre eles. E o medo da ausência não se confirmou. A qualidade veio justamente pela diminuição da quantidade, paradoxo que adorei descobrir falso; a melhor lição sobre a triste arte de procrastinar.

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