Texto de Tim Gardam publicado originalmente no BBC Brasil
É impossível dizer ao certo quantos cristãos existem hoje na China mas ninguém nega que o número cresce rapidamente.
O governo diz que são 25 milhões – 19 milhões de protestantes e seis milhões de católicos.
Fontes não oficiais dizem, no entanto, que os números oficiais são
modestos demais. Entre as estimativas independentes, as mais
conservadoras apontam para uma número em torno de 60 milhões.
Muitos acreditam que aos domingos haja, nas igrejas da China, mais fiéis do que em todas as igrejas europeias somadas.
Os novos cristãos podem ser encontrados em vilarejos no interior e
também nas grandes cidades, onde vivem os jovens de classe média.
Em segredo
A estrutura do cristianismo chinês é complexa. Durante todo o século 20 na China, ele foi associado ao “imperialismo ocidental”.
Após a vitória dos comunistas, em 1948, missionários cristãos foram
expulsos do país, mas o cristianismo continuou sendo permitido em
igrejas aprovadas pelo Estado – desde que essas igrejas se mantivessem
fiéis, primeiramente, ao Partido Comunista.
Para o líder Mao Tsé Tung, no entanto, religiões eram um “veneno”.
Sob seu comando, a Revolução Cultural das décadas de 1960 e 1970 tentou
erradicá-las.
Forçados a praticar sua religião em segredo, os cristãos chineses não
apenas sobreviveram. Agora, com seus próprios mártires, os fiéis se
multiplicaram em número e fervor.
Desde a década de 1980, quando crenças religiosas voltaram a ser
permitidas, as igrejas oficiais vêm cavando cada vez mais espaço
próprio.
Elas são subordinadas à Administração do Estado para Assuntos
Religiosos. Estão proibidas de tomar parte em qualquer atividade
religiosa fora dos locais designados ao culto e têm de aderir ao slogan
“Ame o país – ame sua religião”.
Em troca, o Partido promove o ateísmo nas escolas mas se compromete a
“proteger e respeitar a religião até o momento em que a religião por si
só desapareça”.
‘Igrejas domésticas’
Tanto protestantes quanto católicos estão divididos, na China, entre igrejas oficiais e não oficiais.
A Associação Patriótica Católica, aprovada oficialmente, nomeia seus
próprios bispos e não tem permissão de manter qualquer contato com o
Vaticano, embora os católicos estejam autorizados a reconhecer a
autoridade espiritual do papa.
Mas existe no país uma Igreja Católica extraoficial, maior, que conta com o apoio do Vaticano.
Pouco a pouco, Vaticano e governo tentam chegar a um acordo. Bispos
ordenados são hoje reconhecidos por ambas as partes, nenhuma admitindo
uma soberania maior da outra.
Nos últimos meses, no entanto, as autoridades voltaram a adotar uma
linha mais dura, fazendo ordenações de bispos contra a vontade do
Vaticano. Revidando, o Vaticano excomungou um desses bispos
recém-ordenados.
Ainda assim, seria um engano descartar a igreja católica oficial.
Nas montanhas a oeste de Pequim, na cidadezinha de Ho Sanju, uma igreja católica erguida no século 14 recebe fiéis até hoje.
A fé robusta dos que frequentam a igreja, muitos deles já idosos, resistiu à invasão japonesa e à Revolução Cultural.
O hospital do vilarejo é administrado por freiras, uma delas vinda da Mongólia – onde há uma grande concentração de católicos.
É em cidadezinhas como essa que a Igreja Católica recruta jovens que receberão treinamento para a vida religiosa.
A Igreja Protestante oficial, por sua vez, cresce ainda mais rápido do que a católica.
Em uma manhã de domingo de Páscoa, no centro de Pequim, uma igreja
celebrou quatro missas. Todas estavam lotadas, com mais de 1.500 fiéis.
Igrejas domésticas
Quantidades como essa, no entanto, significam pouco em comparação ao
número de fiéis que frequentam as chamadas “igrejas domésticas”.
Clandestinas, essas igrejas vêm se espalhando pelo país e incomodando
a igreja oficial – que teme que o fervor inspirado por essas igrejas
provoque uma reação do governo chinês.
O que as autoridades consideram inaceitável é a recusa, pelas igrejas
domésticas, em aceitar qualquer forma de autoridade oficial sobre elas.
O Estado teme a influência do evangelismo americano e, de fato, a
liturgia de algumas das igrejas domésticas tem natureza semelhante.
Mas, em muitos outros aspectos, o movimento das igrejas domésticas
parece ser, em grande parte, um fenômeno tipicamente chinês,
carismático, energético e jovem.
Falando à BBC, uma jovem cristã com bom nível educacional descreveu
sua igreja dessa forma: “Temos 50 jovens profissionais nesta igreja.
Todos trabalham muito, não têm tempo para atividades sociais”.
“Mas na igreja as pessoas sentem um calor, se sentem bem-vindas. Elas
sentem que as pessoas as amam de verdade, então querem fazer parte da
comunidade, muitos vêm por isso”.
Curso de casamento
Aos poucos, o Estado vem procurando incorporar o cristianismo em sua
“grande ideia” de uma “sociedade harmoniosa” – o slogan que domina a
vida pública chinesa.
Mas se há uma questão que com certeza preocupa as autoridades é a razão pela qual tantos vêm se voltando para a religião.
Hoje, fala-se muito a respeito de uma “crise espiritual” na China. A frase foi usada até pelo premiê Wen Jiao Bao.
Os mais velhos puderam acompanhar de perto como uma sociedade regida
por dogmas marxistas e leninistas se transformou em um modelo dos mais
viscerais do capitalismo selvagem.
Para os jovens que lutam para enriquecer, a confiança nas
instituições e a confiança entre indivíduos e entre diferentes gerações
está sendo erodida.
Um dos mais importantes filósofos da religião no país, o professor He
Guanghu, da Universidade Renmin, em Pequim, disse que para essas
pessoas, o culto aos bens materiais tornou-se o único propósito de suas
vidas.
“Acho muito natural que muitas outras pessoas não se satisfaçam (…) e
saiam em busca de algum significado para suas vidas”, disse He Guanghu.
“Por isso, quando o cristianismo entra em suas vidas, elas o agarram com força”.
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