por priscila seabra, no blog: atravésdomonitor
Pra quem é nascido e criado no litoral, praia não é sinônimo de férias:
deliciosamente ela nos preenche os dias todos do ano, sejam sábados de
ressaca ou segundas de mau humor. Nem que seja simplesmente pela doce
consciência de que ela está bem ali, ao alcance de uma caminhada, a uma
passagem de ônibus, ou a um abrir de janela.
Ela, como toda natural de cidade praiana, via no mar um ente íntimo.
Piscinas naturais formadas por corais não eram exatamente sua praia.
Talvez fossem a praia de sua mãe, mais dada a calmarias e sossegos, ou
de seus primos pequenos, pra quem o simples molhar de pés na água gelada
das manhãs já era aventura suficiente. Ela, não. Era mais dada às ondas
fortes vindas do mar aberto, à linha d'água lhe chegando ao peito, ao
doce pulsar da vida que nunca se aplaina, às reviravoltas do coração de
quem não desiste de amar.
Conhece bem as opções de quem se banha em tais águas. A primeira, de
quem teme o poder de Netuno, é tentar aproveitar o banho em águas rasas
da melhor maneira. Mas as ondas ali já chegam quebradas, barulhentas,
batendo em nossas costas, destruindo nossos castelinhos, amarronzando a
maré com a areia que se ergue histérica a cada golpe.
Não foi a opção dela. Não, senhor.
Desafiando aquele reino de água e sal, sonhava com profundidade de
mergulho e de sentido, antevia um banho de carrossel, num gostoso subir e
descer de cada onda ainda sem crista, virgem e suave - não menos
poderosa. No processo de conquista desse reino, fazia amizade com sua
rainha e se propunha a enfrentar as provas que se apresentavam simples e
assustadoras: enfrentar, uma após a outra, aquelas ondas quebradas. Uma
a uma, pancada por pancada, até seu posto de delícias.
Vai com a água na cintura. Onda após onda a desestabiliza. Ela cai.
Engole água, engasga-se. Já venceu muitas e tem agora os olhos e a alma
postos na próxima: vê que ela se ergue imponente e deve quebrar pouco
antes de atingi-la; percebe que, ao fazê-lo, a queda será inevitável.
Sairá rolando em meio a água, areia e sargaços, arranhada, cansada, sem
fôlego e sem tempo de se recompor, pois logo em seguida certamente virá
uma outra onda a estapear-lhe a nuca. Ou mesmo o rosto, dependendo de
como emerja.
A onda vem assim e ela sabe. Mas não desistirá enquanto não ultrapassar a
rebentação, pois é lá que seu tesouro habita: além de onde as ondas
quebram.
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