publicado originalmente no site de Ed René Kivitz
O mundo religioso tem seu mais novo personagem: o
evangélico não praticante. A informação aparece nos resultados das
últimas pesquisas realizadas pelo Centro de Estatísticas Religiosas e
Investigações Sociais (Ceris) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), divulgadas pela reportagem O novo retrato da fé no
Brasil, publicada na edição 2180 da revista ISTOÉ, de agosto último.
Os evangélicos não praticantes são definidos como
“os fiéis que creem mas não pertencem a nenhuma denominação”, sendo cada
vez maior o número de pessoas que “nascem em berço evangélico – e, como
muitos católicos, não praticam sua fé”. Os dados revelam que “os
evangélicos de origem que não mantém vínculos com a crença saltaram, em
seis anos, de 0,7% para 2,9%. Em números absolutos, são mais de 4
milhões de pessoas nessa condição”.
As pesquisas apenas confirmaram uma tendência há
muito identificada, a saber, o crescente número de pessoas que buscam
espiritualidade sem religião, e deseja a experiência da fé sem a
necessidade de submissão às instituições religiosas. É o fenômeno da fé
privatizada, em que cada um escolhe livremente o que crer, retirando
ingredientes das prateleiras disponíveis no mercado religioso.
O novo cenário faz surgir perguntas que exigem
respostas urgentes: Para que serve a igreja? Qual a função da comunidade
cristã na sociedade e na experiência pessoal de peregrinação
espiritual?
A experiência dos cristãos no primeiro século, no
dia seguinte ao Pentecostes, narrada no livro dos Atos dos Apóstolos
[2.42-47; 4.32-35], serve de referência para a relevância da vivência em
comunidade.
Para que serve a igreja? A igreja serve para manter
viva a memória da pessoa e obra de nosso senhor Jesus Cristo: “Eles se
dedicavam ao ensino dos apóstolos”. Em tempos chamados pós modernos,
quando as crenças são desvalorizadas e as verdades se tornam subjetivas e
particulares, é importante saber não apenas em quem se crê, e os
cristãos compreendem a fé como confiar em uma pessoa, Jesus Cristo, mas
também saber o que se crê, e por isso os cristãos chamam de fé também um
conjunto de crenças e afirmações a respeito do Deus em quem
crêem–confiam. O Evangelho é uma boa notícia, e os cristãos devem saber
qual é essa notícia. A igreja é a comunidade que preserva a memória de
Jesus, sua pessoa e obra.
Para que serve a igreja? A igreja serve para manter
viva a esperança que se fundamenta na abertura para o mistério divino:
“Todos estavam cheios de temor, e muitas maravilhas e sinais eram feitos
pelos apóstolos [...] com grande poder os apóstolos continuavam a
testemunhar da ressurreição do Senhor Jesus”.
Em tempos de banalização do sagrado, as pessoas
perdem a noção do que Rudolf Otto chama “mysterium tremendum”, isto é,
já não têm na alma o temor que coloca o homem de joelhos diante da
manifestação do divino e nem mesmo esperam que tal aconteça. A igreja é a
comunidade que preserva a expectativa de que o céu se abra, de que o
favor divino se derrame sobre a terra.
Enquanto o mundo vai se tornando cada vez mais frio e
fechado, condenado às estreitas possibilidades da racionalidade e dos
limites do poder humano, a igreja fala do milagre como possibilidade
real e os cristãos se dedicam às orações.
Para que serve a igreja? A igreja serve para manter
viva a oferta do amor de Deus em resposta à solidão humana: “Eles se
dedicavam à comunhão, ao partir do pão [...] Todos os que criam
mantinham se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e
bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade [...] Da
multidão dos que creram, uma era a mente e um o coração. Ninguém
considerava unicamente sua coisa alguma que possuísse, mas
compartilhavam tudo o que tinham.
Não havia pessoas necessitadas entre eles, pois os
que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro da venda e o
colocavam aos pés dos apóstolos, que o distribuíam segundo a
necessidade de cada um”. Em tempos de individualismo, egoísmo,
segregação, e competição darwinista, a igreja é a comunidade da
fraternidade, da partilha, da solidariedade e da generosidade. A igreja é
a comunidade da aceitação, do perdão e da reconciliação. É na igreja
que se concretiza a oração de Jesus a respeito de Deus e os homens: “que
sejam um”.
Para que serve a igreja? A igreja serve para manter
vivos os sinais do reino de Deus na história: “grandiosa graça estava
sobre todos eles”. Conforme Jung Mo Sung, “a igreja é o povo de Deus a
serviço do testemunho da presença do Reino de Deus”, que se completa com
a afirmação de Ariovaldo Ramos: “a igreja deve viver o que prega para
poder pregar o que vive”. A igreja é a comunidade em que o anúncio da
presença do Reino de Deus entre os homens é seguido do convite desafio:
“Vem e vê”, pois o Evangelho de Jesus Cristo não é apenas uma mensagem
em que se deve crer, mas principalmente um novo tempo em que se deve
viver.
Para que serve a igreja? A igreja serve para manter
viva a esperança da ressurreição: “Com grande poder os apóstolos
continuavam a testemunhar da ressurreição do Senhor Jesus”. Quando o
lacre romano do túmulo de Jesus foi rompido no domingo da ressurreição, a
vida afirmou sua vitória sobre os agentes promotores e mantenedores da
morte, sobre os processos de morte, que serão enfrentados pela esperança
de que um dia a própria morte, último inimigo, cairá de joelhos diante
do Senhor da vida.
A igreja é a comunidade dos que se rebelam contra a
morte em todos os lugares e todas as dimensões, e contra ela lutam com
todas as forças que recebem do doador da vida.
A igreja é a comunidade dos que já não vivem com
medo da morte (Hebreus 2.14), dos que anunciam e vivem dimensões da
vida, e dos que profetizam a ressurreição até o dia quando, aos pés do
Cristo de Deus, celebrarão a vitória daquele que no Apocalipse diz: “Não
tenham medo. Eu tenho as chaves da morte e do inferno”, pois “Eu sou o
Alfa e o Ômega, o primeiro e o último. Sou aquele que vive. Estive morto
mas agora estou vivo para todo o sempre!”. Amém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário