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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Silas Malafaia, o pastor que ‘dá novo fôlego ao conservadorismo religioso’


Francisco Bicudo, no Blog do Chico
vi no pavablog
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No mês de julho, a revista Piauí escancarou o universo de desmandos e de relações perigosas e espúrias mantidas e patrocinadas pelo grão-duque do futebol brasileiro e presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira. De certa forma, a publicação contribuiu para dar vida e contornos mais nítidos e organizados a um sentimento de indignação até então disperso e nebuloso. Veio à tona, com mais força nas redes sociais, mas também em marchas e manifestações que começam a se espalhar pelos estádios, o movimento “Fora, Teixeira!”.
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Em agosto, Piauí revelou um então ministro da Defesa contaminado pela soberba e pela arrogância, que se julgava acima do bem e do mal e autorizado a dizer impunemente que o governo era “atrapalhado” e a chamar colegas ministras de “fraquinhas”. Nelson Jobim cavou sua demissão, acontecida logo depois (e muito por conta) da publicação da matéria.
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Pois eis que a edição de setembro da revista, que acaba de chegar às bancas, traz como um dos destaques de capa uma reportagem (“Vitória em Cristo”) sobre o líder evangélico Silas Malafaia, da Assembléia de Deus Vitória em Cristo, um personagem que “dá novo fôlego ao conservadorismo religioso” e “ataca feministas, homossexuais e esquerdistas enquanto prega que é dando muito que se recebe ainda mais”, como aparece destacado na capa e no texto, de autoria mais uma vez de Daniela Pinheiro (a mesma que escreveu sobre Ricardo Teixeira). Aguarda-se ansiosamente a repercussão da matéria.
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Sem fazer alarde e apostando em jornalismo de qualidade (boa apuração, informação precisa, contrapontos, equilíbrio, histórias bem contadas e textos de fôlego e brilhantes), Piauí muito precisamente pode ser chamada de a melhor revista brasileira da atualidade, uma das boas invenções do nosso jornalismo nos últimos anos.
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Sem dar atenção aos defensores dos textos curtos e fragmentados, que garantem que o “leitor não tem mais tempo para ler, é preciso facilitar a vida dele e evitar que precise fazer sofisticados exercícios mentais e de leitura”, a revista nos coloca mensalmente em contato com as histórias humanas, o velho e bom perfil, que, segundo Humberto Werneck, no livro “Vultos da República – Os melhores perfis da revista Piauí”,  representa “o mais interessante dos gêneros jornalísticos”. Ou, como escreve Sergio Vilas Boas em “Perfis e como escrevê-los”, “os perfis cumprem um papel importante que é gerar empatias”.
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E é de fato impossível não se deixar tocar (no meu caso, de ficar indignado) pelo perfil de Malafaia escrito por Daniela. O que salta aos olhos, em minha leitura (sempre um processo marcado por singularidades), é o retrato de um sujeito preconceituoso, ambicioso, intolerante, truculento e perigosamente inteligente e articulado, muitas vezes com respaldo (quase adoração) dos fieis, que por tudo isso não deve ser apenas encarado como folclore, como chacota. Política e ideologicamente, é adversário a ser confrontado, porque o mundo fundamentalista que ele prega é radicalmente diferente, antagônico mesmo, dos valores sociais e humanos que defendo.
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Por isso mesmo, a leitura na íntegra do perfil é imprescindível, justamente para que se possa conhecer com mais detalhes com quem estamos lidando (e também, claro, para aprender jornalismo). Como contribuição, reproduzo abaixo alguns trechos do texto. Mas insisto – é preciso ler a reportagem inteira, de cabo a rabo. A revista está nas bancas.
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Mercantilização da fé I - “Eu gasto milhões, milhões e milhões por mês com horário na televisão, congressos, cruzadas evangélicas, treinamento de pastores, abrindo novas igrejas. Como se paga isso? Não é um anjo do céu que desce com um cheque em branco para mim”.
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Mercantilização da fé II (pregação de Malafaia durante um culto da igreja) – “Como a gente faz tudo isso? Só com a liberalidade e a fidelidade dos irmãos. Vamos zerar essa conta. Se você quiser fazer uma oferta especial, peça um envelope para você”, disse a todos. “Vamos orar para Deus dar as verbas para vocês. Frutifica a semente que eu e meus irmãos plantamos!”, gritou. Ouviam-se brados de “Aleluia”, “Glória a Deus” e “Louvado”. Alertou: “Ninguém pode ser constrangido a dar oferta. Ninguém é obrigado a dar. Ninguém quer que você tire o pão da boca das crianças nem que se endivide”. (…) A repórter continua: “Dos cantos do auditório, saíram rapazes e moças distribuindo pilhas de envelopes onde se lia a frase: ‘Minha semente para uma colheita abençoada’, impressa sobre uma foto de ramos de trigo. Dezesseis deles também carregavam máquinas Cielo para o pagamento da doação em cartão de débito ou crédito.
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Na Vitória em Cristo, 30% das ofertas são acertadas no cartão. “Não se envergonhe, não se cale, você é um agente de Deus”, disse Malafaia. O barulho de zíperes de bolsas e carteiras era ensurdecedor”. (…) “Quando percebeu que o movimento dos obreiros havia cessado, deu a ordem: ‘Levanta o seu envelope aí’. E, como uma onda feita por torcidas em estádios de futebol, os envelopes foram surgindo um a um e ficaram suspensos no ar. ‘Glória a Deus’, ele disse, antes de iniciar uma oração. Dias depois, calculou ter arrecadado dez mil reais naquela noite”.
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Fiéis, religião e espetáculo – (repórter continua descrevendo um culto que reuniu cerca de 2.500 pessoas). “O público era, em sua maioria, de mulheres jovens, maquiadas e bem-vestidas, como se estivessem voltando do trabalho. Representavam a ascensão das classes populares brasileiras. Eram as novas secretárias,  telefonistas, recepcionistas. Os homens presentes vestiam terno e gravata ou paletó com camiseta por baixo”. (…) Sua performance (de Malafaia) é uma combinação de memória prodigiosa e desempenho cênico. Ele é onomatopeico, careteiro e versátil no uso da voz – com a qual percorre uma escala extensa, do falsete quando imita alguém que faz uma pergunta tola, ao grave profundo que enfatiza uma frase mais solene”.
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Discurso conservador - “O seu discurso (de Malafaia, novamente) é socialmente conservador, e suas trovoadas retóricas recaem sobre grupos organizados que militam pela afirmação das minorias e pelos direitos individuais. Considera-os liberais, termo que nas suas pregações ganha conotação pejorativa, deslizando no mesmo campo semântico de libertinagem: umbandistas, a esquerda da Igreja Católica, pastores de outras denominações religiosas, feministas, defensores do aborto e da eutanásia. Nos últimos tempos, o seu alvo predileto tem sido os gays”.
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Conservadorismo e machismo – “Aí vem a irmã dentro da igreja com a roupa arroxada, os dois melões de fora e o cara do lado só olhando, só no somebody love. (…) Se você está indecorosa, você peca e faz outro pecar! E se você deixa sua mulher sair assim, você é um mané, um otário! Bota o silicone que você quiser, minha irmã! Mas se você quiser ser o instrumento do pecado, a glória de Deus vai embora e você vai pagar a conta com Jeová!”.
Homofobia e fundamentalismo bíblico - “Cada um faz sexo com quem quiser. O que tenho é o direito de falar que isso é pecado, que é condenado por Deus e que a Bíblia diz que é uma perversão. Agora, o que esse pessoal quer não é o direito de fazer sexo – porque isso já fazem e não vão parar de fazer. Eles querem é colocar uma mordaça na nossa boca para nos proibir de falar qualquer coisa sobre eles”.
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Homofobia e fundamentalismo bíblico II – Num trecho da matéria, Elizete Malafaia, psicóloga e esposa do pastor, diz que “atendeu inúmeros gays e sustentou que a maioria teria sido abusada na infância. ‘A homossexualidade é uma desorganização emocional e espiritual. Se a pessoa não perdoou o abuso, ela canaliza aquela raiva para a vingança e, inconscientemente, se torna um abusador também”.
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Relações com a Rede Globo - “Silas Malafaia contou que, no final do ano passado, foi chamado para uma conversa pelo vice-presidente das Organizações Globo, João Roberto Marinho. O dono da Globo lhe disse que a rede queria conhecer melhor o mundo dos evangélicos. E contou terem percebido, na emissora, que Edir Macedo ‘não era a voz’ dos protestantes no Brasil. Desde então, eles mantêm um canal de comunicação. ‘Sabe quantas vezes apareci no Jornal Nacional só este ano?’, perguntou o pastor, dando a resposta com a mão aberta. ‘Cinco’”.

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