Francisco Bicudo, no Blog do Chico
vi no pavablog
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No mês de julho, a revista Piauí escancarou o universo de desmandos
e de relações perigosas e espúrias mantidas e patrocinadas pelo
grão-duque do futebol brasileiro e presidente da Confederação Brasileira
de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira. De certa forma, a publicação
contribuiu para dar vida e contornos mais nítidos e organizados a um
sentimento de indignação até então disperso e nebuloso. Veio à tona, com
mais força nas redes sociais, mas também em marchas e manifestações que
começam a se espalhar pelos estádios, o movimento “Fora, Teixeira!”.
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Em agosto, Piauí revelou um então ministro da Defesa contaminado
pela soberba e pela arrogância, que se julgava acima do bem e do mal e
autorizado a dizer impunemente que o governo era “atrapalhado” e a
chamar colegas ministras de “fraquinhas”. Nelson Jobim cavou sua
demissão, acontecida logo depois (e muito por conta) da publicação da
matéria.
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Pois eis que a edição de setembro da revista, que acaba de chegar
às bancas, traz como um dos destaques de capa uma reportagem (“Vitória
em Cristo”) sobre o líder evangélico Silas Malafaia, da Assembléia de
Deus Vitória em Cristo, um personagem que “dá novo fôlego ao
conservadorismo religioso” e “ataca feministas, homossexuais e
esquerdistas enquanto prega que é dando muito que se recebe ainda mais”,
como aparece destacado na capa e no texto, de autoria mais uma vez de
Daniela Pinheiro (a mesma que escreveu sobre Ricardo
Teixeira). Aguarda-se ansiosamente a repercussão da matéria.
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Sem fazer alarde e apostando em jornalismo de qualidade (boa
apuração, informação precisa, contrapontos, equilíbrio, histórias bem
contadas e textos de fôlego e brilhantes), Piauí muito precisamente pode
ser chamada de a melhor revista brasileira da atualidade, uma das boas
invenções do nosso jornalismo nos últimos anos.
Sem dar atenção aos defensores dos textos curtos e fragmentados,
que garantem que o “leitor não tem mais tempo para ler, é preciso
facilitar a vida dele e evitar que precise fazer sofisticados exercícios
mentais e de leitura”, a revista nos coloca mensalmente em contato com
as histórias humanas, o velho e bom perfil, que, segundo Humberto
Werneck, no livro “Vultos da República – Os melhores perfis da revista
Piauí”, representa “o mais interessante dos gêneros jornalísticos”. Ou,
como escreve Sergio Vilas Boas em “Perfis e como escrevê-los”, “os
perfis cumprem um papel importante que é gerar empatias”.
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E é de fato impossível não se deixar tocar (no meu caso, de ficar
indignado) pelo perfil de Malafaia escrito por Daniela. O que salta aos
olhos, em minha leitura (sempre um processo marcado por singularidades),
é o retrato de um sujeito preconceituoso, ambicioso, intolerante,
truculento e perigosamente inteligente e articulado, muitas vezes com
respaldo (quase adoração) dos fieis, que por tudo isso não deve ser
apenas encarado como folclore, como chacota. Política e ideologicamente,
é adversário a ser confrontado, porque o mundo fundamentalista que ele
prega é radicalmente diferente, antagônico mesmo, dos valores sociais e
humanos que defendo.
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Por isso mesmo, a leitura na íntegra do perfil é imprescindível,
justamente para que se possa conhecer com mais detalhes com quem estamos
lidando (e também, claro, para aprender jornalismo). Como contribuição,
reproduzo abaixo alguns trechos do texto. Mas insisto – é preciso ler a
reportagem inteira, de cabo a rabo. A revista está nas bancas.
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Mercantilização da fé I - “Eu gasto milhões,
milhões e milhões por mês com horário na televisão, congressos, cruzadas
evangélicas, treinamento de pastores, abrindo novas igrejas. Como se
paga isso? Não é um anjo do céu que desce com um cheque em branco para
mim”.
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Mercantilização da fé II (pregação de Malafaia
durante um culto da igreja) – “Como a gente faz tudo isso? Só com a
liberalidade e a fidelidade dos irmãos. Vamos zerar essa conta. Se você
quiser fazer uma oferta especial, peça um envelope para você”, disse a
todos. “Vamos orar para Deus dar as verbas para vocês. Frutifica a
semente que eu e meus irmãos plantamos!”, gritou. Ouviam-se brados de
“Aleluia”, “Glória a Deus” e “Louvado”. Alertou: “Ninguém pode ser
constrangido a dar oferta. Ninguém é obrigado a dar. Ninguém quer que
você tire o pão da boca das crianças nem que se endivide”. (…) A
repórter continua: “Dos cantos do auditório, saíram rapazes e moças
distribuindo pilhas de envelopes onde se lia a frase: ‘Minha semente
para uma colheita abençoada’, impressa sobre uma foto de ramos de trigo.
Dezesseis deles também carregavam máquinas Cielo para o pagamento da
doação em cartão de débito ou crédito.
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Na Vitória em Cristo, 30% das ofertas são acertadas no cartão. “Não
se envergonhe, não se cale, você é um agente de Deus”, disse Malafaia. O
barulho de zíperes de bolsas e carteiras era ensurdecedor”. (…) “Quando
percebeu que o movimento dos obreiros havia cessado, deu a ordem:
‘Levanta o seu envelope aí’. E, como uma onda feita por torcidas em
estádios de futebol, os envelopes foram surgindo um a um e ficaram
suspensos no ar. ‘Glória a Deus’, ele disse, antes de iniciar uma
oração. Dias depois, calculou ter arrecadado dez mil reais naquela
noite”.
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Fiéis, religião e espetáculo – (repórter continua
descrevendo um culto que reuniu cerca de 2.500 pessoas). “O público era,
em sua maioria, de mulheres jovens, maquiadas e bem-vestidas, como se
estivessem voltando do trabalho. Representavam a ascensão das classes
populares brasileiras. Eram as novas secretárias, telefonistas,
recepcionistas. Os homens presentes vestiam terno e gravata ou paletó
com camiseta por baixo”. (…) Sua performance (de Malafaia) é
uma combinação de memória prodigiosa e desempenho cênico. Ele é
onomatopeico, careteiro e versátil no uso da voz – com a qual percorre
uma escala extensa, do falsete quando imita alguém que faz uma pergunta
tola, ao grave profundo que enfatiza uma frase mais solene”.
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Discurso conservador - “O seu discurso (de Malafaia, novamente)
é socialmente conservador, e suas trovoadas retóricas recaem sobre
grupos organizados que militam pela afirmação das minorias e pelos
direitos individuais. Considera-os liberais, termo que nas suas
pregações ganha conotação pejorativa, deslizando no mesmo campo
semântico de libertinagem: umbandistas, a esquerda da Igreja Católica,
pastores de outras denominações religiosas, feministas, defensores do
aborto e da eutanásia. Nos últimos tempos, o seu alvo predileto tem sido
os gays”.
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Conservadorismo e machismo – “Aí vem a irmã dentro da igreja com a roupa arroxada, os dois melões de fora e o cara do lado só olhando, só no somebody love.
(…) Se você está indecorosa, você peca e faz outro pecar! E se você
deixa sua mulher sair assim, você é um mané, um otário! Bota o silicone
que você quiser, minha irmã! Mas se você quiser ser o instrumento do
pecado, a glória de Deus vai embora e você vai pagar a conta com
Jeová!”.
Homofobia e fundamentalismo bíblico - “Cada um faz
sexo com quem quiser. O que tenho é o direito de falar que isso é
pecado, que é condenado por Deus e que a Bíblia diz que é uma perversão.
Agora, o que esse pessoal quer não é o direito de fazer sexo – porque
isso já fazem e não vão parar de fazer. Eles querem é colocar uma
mordaça na nossa boca para nos proibir de falar qualquer coisa sobre
eles”.
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Homofobia e fundamentalismo bíblico II – Num
trecho da matéria, Elizete Malafaia, psicóloga e esposa do pastor, diz
que “atendeu inúmeros gays e sustentou que a maioria teria sido abusada
na infância. ‘A homossexualidade é uma desorganização emocional e
espiritual. Se a pessoa não perdoou o abuso, ela canaliza aquela raiva
para a vingança e, inconscientemente, se torna um abusador também”.
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Relações com a Rede Globo - “Silas Malafaia contou
que, no final do ano passado, foi chamado para uma conversa pelo
vice-presidente das Organizações Globo, João Roberto Marinho. O dono da
Globo lhe disse que a rede queria conhecer melhor o mundo dos
evangélicos. E contou terem percebido, na emissora, que Edir Macedo ‘não
era a voz’ dos protestantes no Brasil. Desde então, eles mantêm um
canal de comunicação. ‘Sabe quantas vezes apareci no Jornal Nacional só
este ano?’, perguntou o pastor, dando a resposta com a mão aberta.
‘Cinco’”.
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