publicado originalmente no Rabisco da Lu
Graça.
Pela primeira vez engasguei ao pronunciar essa palavra.
Estava em um trabalho voluntário em um desses estados acolhedores do nosso país quando conheci Vivian*.
Vivian tinha idade que lhe cabia nos dedos de uma só mão e olhar triste. Olhar que não combina em rosto de criança.
Lembro perfeitamente quando a vi pela primeira vez. Havia chegado de uma de nossas apresentações de teatro e as vozes, minhas e de meus amigos, estavam alteradas de tanta empolgação. Falávamos sobre o necessário improviso, sobre a fala errada e sobre o homem que nos assistia, de longe, com um fuzil nas mãos.
Assim que a vi, exclamei:
-Que menina linda! Como é seu nome?
Vivian me olhou de canto e, com a boca escondida entre as pequenas mãos, soltou em voz pequena:
-Vivian...
-Que nome lindo, Vivian! _Disse eu, na tentativa fracassada de prolongar a conversa.
O moço que a tinha nos braços sorriu e disse:
-Vivian é assim mesmo, não tem o sorriso fácil.
-Deve ser timidez.
-Não é. _respondeu ele.
Não sabia o que pensar. Despedi-me e fui tirar a maquiagem para o jantar.
Fato é que a mistura de beleza e desespero que li nos olhos da menina não saiam de minha mente.
Passado dois dias, perguntei a uma moça sobre ela.
-O que há com Vivian? Ela tem um olhar tão triste...
A moça me contou, em segredo, que ela havia sido abusada por um dos homens do bairro e que, depois desse dia, nunca mais sorriu.
Não disse nada. Aquelas palavras geraram dentro de mim um misto de compaixão e ódio. Poucas vezes senti tanta raiva assim.
Não há nada mais covarde que roubar a alegria e pureza de uma criança. E agora, Vivian teria que levar essa historia com ela para o resto de sua vida.
Ninguém tinha o direito de fazer isso.
Ninguém.
Passado duas semanas estávamos nos preparando para nossa ultima apresentação naquela comunidade. Parte de mim era alegria por ter vivido e convivido com aquelas pessoas cheias de historias e lagrimas e outra parte era tristeza por não poder levar embora a dor de Vivian.
Era sexta feira e o sol já havia recolhido suas cores.
O salão onde nos apresentaríamos pela ultima vez não cabia mais do que cem pessoas. Faltavam poucos minutos para começar e o salão estava lotado.
Vivian estava lá, separada de todas as outras crianças, mas estava lá.
Talvez o olhar perdido da menina ganhasse vida ao ver um teatro tão cheio de cores e risos. Essa era minha esperança naquela noite: trazer de volta o sorriso roubado.
Lurdes, uma senhora do grupo se aproximou e me perguntou:
-Você terá a palavra final, sobre o que irá falar?
-Sobre o amor que nos resgata. Sobre o grande amor de Deus por nós.
Nem havia terminado a ultima palavra e um senhor passou por nós.
Cabelo cinza, olhos baixos e estatura média.
Lurdes aproximou seus lábios de meu ouvido e sussurrou.
-Ele. Foi ele quem machucou Vivian.
Não respondi palavra alguma, mas meus olhos devem ter dito maldades sem fim, pois Lourdes continuou de modo sereno, com voz de quem aconselha:
-O amor de Deus que é derramado sobre a vida de Vivian é o mesmo amor que cairá sobre o coração desse homem proporcionando, a ele, perdão. A mensagem é para os dois, não se esqueça disso.
Minhas pernas tremeram.
A mensagem que havia preparado para a ocasião parecia não caber mais naquele lugar.
No mesmo local encontrava-se a menina do sorriso roubado e o ladrão.
Mais ainda, no mesmo local estava Deus!
.
*Vivian é um nome fictício a fim de proteger a privacidade da pequena menina.
Estava em um trabalho voluntário em um desses estados acolhedores do nosso país quando conheci Vivian*.
Vivian tinha idade que lhe cabia nos dedos de uma só mão e olhar triste. Olhar que não combina em rosto de criança.
Lembro perfeitamente quando a vi pela primeira vez. Havia chegado de uma de nossas apresentações de teatro e as vozes, minhas e de meus amigos, estavam alteradas de tanta empolgação. Falávamos sobre o necessário improviso, sobre a fala errada e sobre o homem que nos assistia, de longe, com um fuzil nas mãos.
Assim que a vi, exclamei:
-Que menina linda! Como é seu nome?
Vivian me olhou de canto e, com a boca escondida entre as pequenas mãos, soltou em voz pequena:
-Vivian...
-Que nome lindo, Vivian! _Disse eu, na tentativa fracassada de prolongar a conversa.
O moço que a tinha nos braços sorriu e disse:
-Vivian é assim mesmo, não tem o sorriso fácil.
-Deve ser timidez.
-Não é. _respondeu ele.
Não sabia o que pensar. Despedi-me e fui tirar a maquiagem para o jantar.
Fato é que a mistura de beleza e desespero que li nos olhos da menina não saiam de minha mente.
Passado dois dias, perguntei a uma moça sobre ela.
-O que há com Vivian? Ela tem um olhar tão triste...
A moça me contou, em segredo, que ela havia sido abusada por um dos homens do bairro e que, depois desse dia, nunca mais sorriu.
Não disse nada. Aquelas palavras geraram dentro de mim um misto de compaixão e ódio. Poucas vezes senti tanta raiva assim.
Não há nada mais covarde que roubar a alegria e pureza de uma criança. E agora, Vivian teria que levar essa historia com ela para o resto de sua vida.
Ninguém tinha o direito de fazer isso.
Ninguém.
Passado duas semanas estávamos nos preparando para nossa ultima apresentação naquela comunidade. Parte de mim era alegria por ter vivido e convivido com aquelas pessoas cheias de historias e lagrimas e outra parte era tristeza por não poder levar embora a dor de Vivian.
Era sexta feira e o sol já havia recolhido suas cores.
O salão onde nos apresentaríamos pela ultima vez não cabia mais do que cem pessoas. Faltavam poucos minutos para começar e o salão estava lotado.
Vivian estava lá, separada de todas as outras crianças, mas estava lá.
Talvez o olhar perdido da menina ganhasse vida ao ver um teatro tão cheio de cores e risos. Essa era minha esperança naquela noite: trazer de volta o sorriso roubado.
Lurdes, uma senhora do grupo se aproximou e me perguntou:
-Você terá a palavra final, sobre o que irá falar?
-Sobre o amor que nos resgata. Sobre o grande amor de Deus por nós.
Nem havia terminado a ultima palavra e um senhor passou por nós.
Cabelo cinza, olhos baixos e estatura média.
Lurdes aproximou seus lábios de meu ouvido e sussurrou.
-Ele. Foi ele quem machucou Vivian.
Não respondi palavra alguma, mas meus olhos devem ter dito maldades sem fim, pois Lourdes continuou de modo sereno, com voz de quem aconselha:
-O amor de Deus que é derramado sobre a vida de Vivian é o mesmo amor que cairá sobre o coração desse homem proporcionando, a ele, perdão. A mensagem é para os dois, não se esqueça disso.
Minhas pernas tremeram.
A mensagem que havia preparado para a ocasião parecia não caber mais naquele lugar.
No mesmo local encontrava-se a menina do sorriso roubado e o ladrão.
Mais ainda, no mesmo local estava Deus!
.
*Vivian é um nome fictício a fim de proteger a privacidade da pequena menina.
/// impossível não se emocionar...
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