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"Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história." Bill Gates

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quinta-feira, 19 de maio de 2011

Uma opinião contrária à minha não é um teste de fé

Texto de Mark Galli, editor da revista Christianity Today

Tive uma série de conversas ultimamente nas quais acabávamos falando sobre o livro Love Wins, de Rob Bell. Todas as vezes, uma estranha dinâmica parecia se repetir. Se a pessoa havia lido minha resenha sobre a obra ou sabia das minhas críticas, hesitava em elogiar o livro. O primeiro passo nesse ponto é dizer: “Não concordo com tudo no livro, mas…” – e o que segue é entusiasmo quase total. Normalmente, nutrem simpatia maior por uma ou outra parte da obra. É como se alguém se sentisse culpado por ter gostado da leitura. Talvez as pessoas que realmente gostam do livro sequer se preocuparam em falar comigo, mas suspeito que haja algo mais acontecendo.

Quem sabe seja algo que uma amiga jornalista e cristã me disse: é preciso ter cuidado toda vez que se escreve sobre Rob Bell, para que não o acusem de realmente gostar, ou de não gostar dele. Quando algumas pessoas falam sobre as ideias de Bell, parece que é preciso se desculpar por ler o livro ou concordar. Muitos parecem preocupados que, se gostarem do livro, sua teologia será questionada.
Resumindo: parece que Rob Bell está se tornando a “prova dos nove” da fé atual. Se você gosta dele, sua ortodoxia pode ser questionada. Se você quiser provar suas credenciais ortodoxas, basta simplesmente condenar o livro.

Esse fenômeno é real, mas é uma bobagem. Isso não significa que não seja uma corrente poderosa. E por mais que seja verdade, é uma corrente contra a qual devemos nadar contra.
Em primeiro lugar, Rob Bell ama Jesus. Ele quer ver muita gente crendo no Senhor. Ele deseja ver o mundo transformado em nome de Jesus. Ele realmente pensa que a Bíblia é o livro através do qual Jesus fala com autoridade. Ele acredita em milagres. Ele acredita que Jesus voltará. Poderia continuar a lista… Rob Bell compartilha de muitas das crenças tão estimadas pelos evangélicos. Em suma, ele é um irmão em Cristo.

Naturalmente, só porque alguém é irmão não significa que devemos aceitar tudo o que ele diz. Irmãos discordam, algumas vezes sobre coisas importantes. De vez em quando as maiores discórdias acontecem dentro das famílias. Entretanto, continuam sendo uma família – a não ser que uma parte decida repudiar o resto da família.

Segundo, fazer de Bell uma “prova dos nove” é hipocrisia. Há alguns livros entre os best-sellers cristãos que ensinam algo estranho, mas não entramos em pânico como muitos fizeram em relação a Love Wins. Provavelmente, o material mais controverso recentemente foi A Cabana. Sem dúvida, existem algumas ideias teologicamente problemáticas naquele livro, mas na maioria das vezes os evangélicos têm “perdoado” Paul Young e sua teologia em favor da temática mais ampla do livro: a redenção em Cristo. Reconhecemos que um autor tentando contar uma velha história de novas maneiras algumas vezes ultrapassará os limites da teologia tradicional. Mas a maioria de nós não julga a ortodoxia alheia baseado apenas em sua reação ao livro A Cabana. Sabemos que as pessoas leem e reagem a livros como esse de diferentes maneiras, e não parecemos nos importar muito com isso.

Em terceiro lugar, acredito que não temos alternativa a não ser ouvir e responder cordialmente às ideias que já foram resolvidas no passado, ideias que nos fazem sentir desconfortáveis, ideias que parecem ameaçar nossa fé. Entramos em uma nova era na história da Igreja, a “era da internet”, na qual todo tipo de crença pode ser conhecida com apenas um clique. Somos virtualmente vizinhos de católicos, hindus, muçulmanos, ateus, arianos, pelagianos, universalistas e assim por diante. E seus sites frequentemente apresentam aspectos que, em uma escala maior ou menor, diferem da nossa visão do Cristianismo – e eles expressam esses aspectos de forma razoável e convincente. Não podemos mais sair chamando as pessoas de “universalista” ou “ariano” e pensar que isso é suficiente.

Vivemos em uma época em que devemos nos envolver novamente com todas essas brigas sobre ortodoxia, heterodoxia, heresia, paganismo e apostasia? Aprecio a oportunidade de interagir com pessoas de tradições diferentes e quero ouvir o que elas têm a dizer. Se nossa fé cristã não pode resistir aos argumentos, devemos rever isso assim que pudermos. Mas, bem, não há realmente nada novo debaixo do sol. O que temos agora é uma oportunidade divinamente ordenada para esclarecer o que acreditamos em meio a um mundo extremamente pluralista. Afinal, o mundo da igreja primitiva era tão pluralista quando o nosso, e a igreja administrou isso muito bem, obrigado.

Isso significa que teremos de nos acostumar com alguns cristãos de carteirinha experimentando ideias que pessoas como eu consideram pouco úteis. Mas se um escritor tenta fundamentar seus argumentos nas Escrituras, e se identifica como membro do corpo de Cristo, a misericórdia requer que eu primeiramente o ouça com humildade. Quem sabe o que Deus quer nos dizer neste momento? Não devo apenas ouvir o argumento, mas também perceber o problema que ele está tentando resolver. Pouquíssimas pessoas apresentam um novo modo de ver uma doutrina, a menos que estejam tentando resolver um problema real na igreja.

Em Love Wins, Bell discute alguns temas bíblicos (Julgamento Final, Expiação etc.) porque acredita que o modo que tradicionalmente falamos sobre esses temas não é fiel à Bíblia e afasta as pessoas de Jesus. Acredito que ele está parcialmente certo e que na maioria das vezes o modo como falamos sobre expiação vicária e inferno não é 100% bíblico. Portanto, essas doutrinas causaram mais problemas do que resolveram. No entanto, acredito que a solução que ele defende prejudicará o desejo de ganhar pessoas para Jesus. Além disso, o problema principal com Love Wins é que as Boas Novas são ainda melhores – mais profundas, ricas, complexas – do que o livro deixa transparecer. O fato de Bell apresentar uma perspectiva decididamente menor não faz dele um herege, embora possa ser antibíblico em alguns pontos. O ônus da prova recai sobre seus ombros. E o fato de que muitos concordam com as preocupações de Bell sobre esses temas mostra que precisamos discuti-los novamente.

Porém, não é uma boa ideia debater de forma infinita. Deus me livre! Fiz parte de duas importantes denominações protestantes ao longo de minha vida. Elas parecem pensar que o diálogo é um fim em si mesmo. Em muitos assuntos cruciais, mesmo depois de 30 anos de debates, eles relutam em permitir que o sim seja um sim, e que o não, um não. Certamente, para algumas pessoas, e ainda mais para igrejas e denominações, chega um momento de esclarecer e confirmar o que acreditam, por exemplo, sobre a expiação e o inferno. Mas se um livro é publicado e os comentários a seu respeito demonstram que milhares de crentes estão se debatendo com essas questões, o melhor é dar um passo para trás, ouvir atentamente as dúvidas e as preocupações, e exercer o amor.

Deveríamos cultivar uma atmosfera nas igrejas, famílias e sites na qual toda pergunta possa ser feita sem medo de julgamento, em que dúvidas teológicas são respondidas e não apenas rejeitadas. Algumas vezes agimos como se Jesus tivesse dito: “Eu poderia ser o Caminho, a Verdade e a Vida – a não ser que uma ideia melhor apareça”. Não. Podemos ter confiança plena em face de qualquer pergunta, porque sabemos que tudo que é verdade tem sua origem na verdade de Deus: em Cristo. Além disso, Jesus realmente é a verdade que nos liberta. Em muitos casos, isso exigirá disposição em ouvir e trabalho intelectual intenso. Mas quem disse que amar não implica em sofrimento?

Devemos nos tornar protestantes radicais de novo. Acreditamos que Deus é soberano e que o Espírito Santo nos guia em toda a verdade. Por meio de discussões e debates permitimos que a verdade de Deus em Cristo se aprofunde e se alargue. Se Jesus é realmente Senhor de sua igreja, sua verdade vai entrar na vida dela, de um jeito ou de outro. Nosso trabalho é ler as Escrituras, falar uns com os outros pelos laços do amor e, quando chegar a hora, tratar dos assuntos difíceis. Sei que uma congregação ou denominação tem todo o direito de dizer: “Esta conversa está terminada por ora. É nisso que acreditamos. Vamos avançar na missão fundamentados neste artigo de fé”. Existem momentos de dar nome aos bois, e dizer claramente que alguém tem uma falsa doutrina e está danificando a saúde da Igreja. Tudo isso faz parte do processo de seleção do Espírito Santo através da história. Mas não deveríamos terminar algumas conversas antes que elas tenham de fato começado, especialmente quando muitas vezes parece que o Espírito pode estar gerando de novo essa conversa preocupante.

Gostei muito do papo que tive com pessoas que leram Love Wins e também a minha resenha sobre o livro. Estou ansioso em ter mais conversas desse tipo. Elas reforçaram algumas das minhas ideias preconcebidas e me forçaram a repensar outras. Quando podemos conversar com irmãos em Cristo com liberdade e sem medo, com amor e sem julgar o outro, acredito que podemos amar a Deus mais profundamente. Existem maneiras talvez mais urgentes de amar o próximo neste mundo ferido, mas gerar divisão por causa de uma opinião diferente da minha definitivamente não é algo bom.

Tradução: Agência Pavanews
Fonte: PavaBlog

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