Por grande parte dos últimos 4.000 anos Deus tem estado criticamente  enfermo. Os informes que temos a respeito de sua natureza e função  indicam que seus padrões de relacionalidade, afeto e conceitualização  tem estado fora do intervalo normal. Para ser específico, Deus tem  aparentemente sofrido de esquizofrenia paranóide crônica, ou um severo  transtorno de personalidade limítrofe, com episódios erráticos, isto é,  não provocados, de psicose. A cadeia de informes dominante indica que  ele opera sob a noção psicótica de que está envolvido numa batalha  cósmica com outro deus que ameaça frustar, corromper e arruinar a sua  obra. Esta é uma síndrome psicótica clássica a partir da qual, segundo  os informes, ele forma uma ideação global que molda toda a sua visão de  mundo, sendo que não existem dados empíricos, heurísticos ou  fenomenológicos que indiquem que esse conflito cósmico ou realidade  maligna de fato existam. Sua noção de realidade não tem uma realidade  que corresponda a ela. Além disso, esse modelo de ideação é  especificamente paranóide, visto que indica que ele acredita que há  forças exteriores trabalhando contra ele, quando não há evidência de que  essas forças existam. Se os relatos a respeito de Deus são acurados,  essas noções são produtos da sua própria imaginação doentia. Deus é um  lunático. O Deus da antiga religião israelita, que produziu o judaísmo, o  cristianismo e o islamismo, é facilmente diagnosticável sob as rubricas  do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais,  publicado periodicamente pela Associação Psiquiátrica Norte-Americana.
Deuses doentes geram gente doentia. Ou, para colocar de modo  ligeiramente diverso, Deuses doentes fazem com que as pessoas fiquem  doentes. Do mesmo modo que filhos e discípulos tomam como modelo seus  pais e mentores, indivíduos e comunidades humanas criam a si mesmas na  imagem de seus Deuses. Deuses doentes provem modelos doentios que  produzem gente doentia e comunidades doentias. Para se garantir  bem-estar pessoal e comunitário, é necessário que Deus esteja bem – ou  pelo menos o inverso é verdadeiro. Quem tem um Deus doente não tem como  alcançar o bem-estar, seja individual ou comunitário.
Talvez você sinta que estou sendo de algum modo severo demais em meu  diagnóstico. Permita-me então elencar um arsenal mais palpável de  sintomas que, de acordo com os informes dominantes, constituem a  síndrome da desordem clínica divina. Relata-se que ele sofre de uma  necessidade perfeccionista de ter o seu mundo, bem como todos que  acontecem de vagar por ele, cuidadosamente conformado a uma série  prescrita de comportamentos e formas de pensar. Isso soa um tanto  obsessivo-compulsivo, para dizer o mínimo; particularmente quando se  considera que o mundo criado por ele não é uma indústria ou um campo de  trabalhos forçados, mas foi projetado por Deus para ser mais como uma  estufa, na qual o modo e o objetivo primários são crescimento e  desenvolvimento, que requerem por definição um processo constante de  mudança e imprevisibilidade. Talvez você não tenha levado os relatos da  demanda dele por conformidade sério o bastante para ter sido  sensivelmente afetado por esse sintoma patológico, mas que dizer dos  relatos de que Deus tem tantos melindres com relação ao comportamento e à  natureza dos homens, à exploração e à experimentação humanas, que  simplesmente não consegue voltar a colocar a cabeça no lugar até que  tenha literalmente matado alguém?
Tomemos por exemplo a comunidade de Noé; ou Onã e seu irmão; ou o  exército egípcio no mar Vermelho. Ou pense no ameaçado genocídio dos  israelitas no monte Sinai; no genocídio dos cananitas por ocasião da  invasão israelita da sua terra; no extermínio do reino do Norte; no  exílio do reino do Sul; na morte súbita do homem que tentou proteger a  Arca da Aliança; na incineração de Sodoma e Gomorra. Agora se isso não  lhe parece um padrão de consumado narcisismo, comportamento cronicamente  inapropriado à situação, espírito vingativo sádico, impulsividade e  transtorno obsessivo-compulsivo, ira depressiva e irracional, reações  sem contato com a realidade e inteiramente desproporcionais aos  verdadeiros eventos problemáticos em questão em cada caso – você não tem  estado prestando atenção. Ou pelo menos não tem lido a Bíblia  regularmente. A síndrome comportamental que acabo de descrever é  flagrante psicose. Além disso, que dizer do fato de que o ódio dele a  você e a mim, inocentes como somos, ter sido tão intenso que ele  concluiu que tinha ou de nos exterminar ou de massacrar seu único filho,  Jesus de Nazaré? Se esses relatos são verdadeiros, Deus é um  pervertido, e é perigoso. Ele resolve todos os seus impasses decisivos  com decisiva violência. Você concorda que é doentio? Qualquer Deus  incapaz de agir pelo menos como um ser humano mediano gostaria de agir é  um monstro. Deuses monstro geram gente monstro.
Falei de nós como inocentes; você talvez discorde. Reconheço que o  único mal que existe no nosso mundo é o mal que fazemos uns aos outros.  Porém quando alego inocência quero chamar a atenção para o fato de que  nós humanos não pedimos para nascer. Não pedimos para ser limitados. Não  pedimos para ser falhos. Não pedimos para existirmos em modo de  desenvolvimento e permanecermos portanto inerentemente e inevitavelmente  incompletos, em fase de crescimento e de mudança, avançando por  tentativa e erro, experimentando e alcançando por vezes becos sem saída  morais, relacionais, psicológicos e espirituais. Não pedimos para sermos  largados no oceano do espaço-tempo com uma base de dados inadequada,  capacidade imatura de juízo e emoções que são com frequência movidas  pela nossa ansiedade a respeito de tudo isso. Não pedimos para sermos  incumbidos da tarefa divina de decifrar e encontrar significado neste mundo, ao mesmo tempo em que somos compelidos a operar com recursos meramente humanos.
O pior é que as metáforas religiosas que nos foram oferecidas no relato  dominante a respeito da natureza e do comportamento de Deus produzem  arquétipos inconscientes nos seres humanos, arquétipos que são  inconscientemente traduzidos em comportamentos justificados por essas  metáforas. Se Deus resolve todos os seus problemas decisivos pelo  recurso rápido da violência decisiva, como se pode esperar que nós,  seres humanos, ajamos de modo significativamente diferente? Deuses  doentes geram gente doentia. Se Deus nos convence da sua noção psicótica  de que está envolvido num conflito cósmico cujo o campo de batalha é a  história humana e o coração humano, é naturalmente inevitável que iremos  desejar, de modo inconsciente ou consciente, ajudá-lo nessa empreitada;  estar do lado dele na guerra; empenharmo-nos na causa de Deus contra o  infiel, enfrentar os bandidos e exterminar nossos inimigos, da mesma  forma que aparentemente Deus faz com os dele.
Esta é a bandeira debaixo da qual foram pelejadas as batalhas do  Israel antigo contra os cananitas, e quem sabe também as batalhas do  Israel dos nossos dias. Esta é a bandeira debaixo da qual as campanhas  cristãs das cruzadas foram pelejadas, e quem sabe também as cruzadas dos  cristãos fundamentalistas nos nossos dias. Esta é a bandeira debaixo da  qual o Islã conquistou o mundo mediterrâneo nos séculos VII e VIII, e  não deve haver dúvida quanto às ambições do al Qaeda nos nossos dias. Um  Deus doente gera gente doentia. Como chegaremos a alcançar o bem-estar  se Deus está doente? Não chegaremos a alcançá-lo, quaisquer que sejam as  circunstâncias.
Houve, naturalmente, outro informe a respeito da saúde mental de  Deus, embora tenha sido grandemente desacreditado ao longo da história,  com frequência ao ponto de uma desdenhosa incredulidade. Trata-se da  alegação de que o relato dominante, que tem estado desde sempre em  circulação em todo lugar, não tem na verdade nada a ver com Deus, sendo  ao invés disso a doentia projeção de uma série de imaginações humanas  muito desautorizadas, autoria de gente inteiramente aterrorizada diante  daquilo que é desconhecido e imprevisível na vida: uma projeção de seus  próprios terrores sobre a imagem mental idealizada do que achavam fosse  Deus. Esse segundo informe sobre a saúde mental de Deus encontra grande  dificuldade em competir com o relato dominante, muito embora toda a  evidência permaneça, em todo lugar, confirmando a versão alternativa.  Essa tem encontrado resistência porque parece humanamente inacreditável:  porque alega que Deus é um Deus de graça incondicional para toda a  humanidade.
Carl Rogers não considerava inerentemente inacreditável que os seres  humanos fossem capazes de exercitar um incondicional apreço positivo uns  para com os outros, mesmo se essa postura parece por vezes muito rara e  de certa forma não-natural. Porém mesmo ele hesitava grandemente em  crer que isso fosse verdadeiro com relação a Deus. Rogers afirmou que  abandonou suas raízes evangélicas fundamentalistas porque, como ele via,  o informe dominante de Deus como lunático era endêmica a qualquer  pensamento religioso. Ele portanto sentia-se capaz de pregar graça  humana incondicional, mas não conseguia conceber graça incondicional em  Deus. Ele simplesmente não conseguia abraçar Gênesis 12 e 17 e a  revolucionária percepção de Abraão daquilo que Deus estava tentando  passar para a raça humana: “Estou anunciando que serei Deus para você e  para os seus filhos depois de você, por todas as suas gerações como  aliança eterna, sem restrições e sem custo embutido. Vocês serão o meu  povo e eu serei o seu Deus, e é só isso”.
Carl Rogers não foi capaz de reprimir o clamor do informe dominante  em seus ouvidos, a despeito do fato de que era um informe falso, de modo  a tornar-se capaz de ouvir a melodia do refrão da graça tocando ao  longo de todo o Antigo e do Novo Testamento, declarando como fez o  profeta Miquéias (7:18-20): “Qual Deus é como nosso Deus? Ele perdoa a  iniquidade. Esquece a transgressão. Não retém a sua ira para sempre. Tem  prazer na constância do amor. Tem compaixão de nós. É fiel a nós quando  somos infiéis a ele. Ele pisoteia as nossas iniquidades e atira nossos  pecados no mar de seu eterno esquecimento. Não só isso, mas também  garante que somos perdoados antes de nascermos e antes de sermos capazes  de imaginar como nos tornarmos pecadores eficazes”.
Infelizmente, Carl Rogers tem a companhia de grande parte da raça  humana ao longo da história, que é incapaz de conceber que Deus não seja  insano. Que não consegue conceber que São Paulo sabia de algo essencial  a respeito da natureza e do comportamento de Deus quando declarou  doxologicamente, “Estou convicto de que nada em toda a criação de Deus  pode nos separar do amor de Deus”(Romanos 8:28). Ora, honestamente, esse  é um Deus saudável. Deus, o guerreiro, o juiz vingativo, o assassino  impulsivo, o maníaco genocida, é um monstro e ninguém deveria honrá-lo.  Esse Deus me repugna e deveria nos repugnar a todos. O Deus provedor de  graça age de modo apropriado em cada situação, o que é um gradiente  chave de uma boa saúde mental. Somos humanos: não pedimos para sermos  humanos, não pedimos para nascer, para sermos limitados em nossa base de  dados, para sermos criaturas de crescimento e mudança, para sermos  pessoas em desenvolvimento que carecem inerentemente explorar e  experimentar e imaginar por tentativa e erro. Não pedimos nossa tarefa  transcendental e nossos recursos mundanos. Qualquer Deus que não olha  pra isso e responde com apreço positivo incondicional é um monstro  profundamente doentio. É por isso que João afirma que o Deus verdadeiro é  fiel e justo para nos perdoar os pecados (1 João 1:9). Você ouviu? É  uma questão de justiça que para gente como nós, imersa em nossa limitada  humanidade, a única atitude correta seja a misericórdia. “Como um pai  se compadece dos filhos Deus se compadece dos que o temem” (Salmo  103:13). Esse é um Deus saudável.
Estamos reunidos aqui esta noite porque estamos todos interessados no  bem-estar do ser humano; de fato, no bem-estar do universo como um  todo. Tenho argumentado até agora que nosso bem-estar depende do  bem-estar de Deus. Quer dizer, estamos abordando o problema da saúde de  Deus e da saúde humana, que traduzi como a questão da graça de Deus e da  saúde humana. O que podemos fazer para garantir que o informe sobre a  natureza e o comportamento de Deus nos conte a história de uma saúde  robusta e de sua inerente boa vontade com relação a nós – assegurando  dessa forma que nossa base de operações e nossos pressupostos  intensificarão o bem-estar humano, em vez da mentira de que ele é um  monstro?
Para colocar essa questão de uma forma mais operacionalmente clínica e  científica, de que modo podemos trazer boa teologia e psicologia  responsável para gerarem aquela estirpe de interação autêntica em que  ambas se iluminam mutuamente de modo a elucidar nossa interpretação da  natureza humana, aquilo que Gerkin chamou de o Documento Humano Vivo, de  modo a indicarem aquilo que poderá produzir genuíno bem-estar em nosso  corpo, mente e alma – ou seja, em termos materiais e econômicos,  acadêmicos e intelectuais, estéticos e espirituais? Estou inteiramente  convicto de que psicologia e espiritualidade são dois nomes para o mesmo  domínio. Cada um tem seu universo de discurso e, portanto, seu próprio  modus operandi, mas os domínios da psicologia e o da espiritualidade são  o mesmo: o complexo arsenal de aspectos críticos que moldam a  irreprimível busca humana por significado mundano e transcendental.
Qualquer psicólogo que não leve a sério a luz que a espiritualidade  humana pode trazer para a disciplina científica da psicologia  simplesmente não está levando verdadeiramente a sério a sua profissão ou  a sua psicologia. Qualquer teólogo que não leve a sério a luz que a  psicologia pode trazer para a disciplina científica da teologia  simplesmente não está levando verdadeiramente a sério a sua profissão e a  sua espiritualidade.
As ciências da psicologia e da teologia, praticadas de modo próprio e  responsável, interagem inevitavelmente em quatro níveis científicos:  desenvolvimento teórico, modelos de pesquisa, gerenciamento de dados e  aplicação clínica. Em cada um desses níveis está sendo formado e  operando o modelo antropológico no qual psicologia e teologia interagem.  Cada uma traz uma luz distintiva para uma verdadeira e abrangente  elucidação do Documento Humano Vivo, que é o objeto da obra científica  de ambas. Além disso, dentro do modelo antropológico no qual interatuam  psicologia e espiritualidade (ou seu instrumento científico, a  teologia), é a teoria da personalidade sendo formada e operada que é o  foco central da iluminação mútua que as duas ciências oferecem.
Uma ilustração do que isso implica e do modo como funciona pode ser  desenvolvida com base na antiga narrativa bíblica que em sua  interpretação história parece indicar que Deus é doente, estabelecendo  uma metáfora religiosa que tem produzidos arquétipos humanos e seres  humanos verdadeiramente doentios ao longo de 3.000 anos. Trate-se da  história, em Gênesis 3, da queda de Adão e Eva, de sua expulsão do  idílico mundo do Éden e de sua maldição por Deus.
Há outro modo de se ler essa história. Como está, trata-se da  recontagem em terminologia hebraica de um mito mesopotâmico de  fertilidade muito mais antigo. Ali estão a árvore frutífera, a virgem  que seduz e é seduzida, o símbolo fálico da cobra e a tripla sedução: a  cobra e Eva seduzindo uma à outra e Eva que seduz Adão. Lida  literalmente, em termos de longas tradições teológicas, trata-se de um  relato relativamente superficial de que nossos primeiros antepassados  desobedeceram uma ordem divina ao mesmo tempo específica e arbitrária,  Deus ficou indignado, expulsou-os do Paraíso e os amaldiçoou. Esse é o  Deus monstro.
Se alguém quiser saber porque os antigos hebreus gostaram dessa  história e porque adotaram-na, a reposta deve ser óbvia: eles tinham um  Deus monstro. Experimentavam o mundo como profundamente conflitante e em  conflito, e tinham a opção de acusar Deus de tê-lo criado daquele modo  (como fizeram na narrativa mais antiga de Gênesis 6) ou de tirar Deus da  reta acusando a si mesmos. A única verdade que conheciam nisso tudo era  de qualquer um que lesse a história reconheceria imediatamente que ela  descreve a nossa experiência de vida. A vida é cheia de conflitos,  sentimo-nos inadequados e envergonhados diante disso, ansiamos por amor e  por significado, sentimo-nos profundamente inquietos com relação a  nossa sexualidade e nossa espiritualidade, sentimo-nos expulsos ou  alienados de nosso verdadeiro destino e ansiamos por nosso pai mas somos  incapazes de agarrar a sua mão. Eles intuíram que a história de algum  modo produzia ressonância genuína com algumas de nossas piores  perplexidades: somos almas perdidas e vivemos em perplexidade. O que  eles não sabiam é que havia outro modo de se lê-la.
Eles tomavam como certa que a narrativa dominante de um Deus  ameaçador representava o modelo da realidade. No entanto, se  relacionamos o outro informe com esta narrativa e a iluminamos com uma  perspectiva psicológica judiciosa, fica evidente de imediato que está é  uma história sobre a inevitável adolescência da raça humana. É uma  história sobre deixar o útero e o berçário, sobre explorar as  possibilidades de nossa própria individualidade, descobrir o  conhecimento de nosso potencial para o bem e para o mal e desvelar para  nós mesmos o significado da sexualidade, da espiritualidade e da  individuação. Com a iluminação mútua de uma psicologia abalizada e de  uma boa teologia, essa narrativa torna-se a poética sugestão de que Adão  e Eva careciam afirmar a sua individualidade contra as restrições da  autoridade parental, até mesmo divina, a fim de encontrarem seus  verdadeiros eus. O enigma da narrativa de Gênesis 3 está na percepção de  que a queda foi um ato necessário de crescimento, e levanta a questão  de se o processo de adolescência em pessoas e comunidades é melhor  realizado através de evolução ou de revolução.
Adão e Eva escolheram a revolução. A narrativa, quando propriamente  iluminada por boa teologia e boa psicologia, não é a história de Deus  amaldiçoando-os por causa disso. É uma narrativa sobre viver com as  inevitáveis consequências das escolhas necessárias e inevitáveis que o  crescimento requer; escolhas que devem ser feitas sem um conhecimento  adequado do futuro, sem uma compreensão adequada de nossas opções e  alternativas e sem conhecimento suficiente sobre a ambiguidade da  responsabilidade adulta. As observações de Deus diante da fuga deles da  infância não é uma maldição prescrita mas um destino prescrito: a saber,  a vida adulta não é moleza.
Uma apropriada iluminação mútua de nossas metáforas psico-espirituais  e dos arquétipos que ela produz pode nos proporcionar um Deus saudável  que proporciona gente saudável. Digo isso não como uma litania  litúrgica. Digo como fato clínico operacional. O bem-estar humano  depende de boa teologia e de sólida psicologia para a produção de uma  espiritualidade integral – e aqui falo de espiritualidade não como mero  mito transcendental. Falo dela como função da pessoa interior em sua  busca para que aquele Documento Humano Vivo seja inscrito por completo  com as cadências de poesia e de música de significado que produzam  genuína completude. Falo de uma estirpe de bem-estar que é aquela  plenitude de individualidade e de comunidade, que deriva de um  abrangente e gratificante senso de significado de vida, individualmente e  relacionalmente.
Isso é possível para nós todos e para toda a humanidade; é possível  para você e para mim, para o George Bush, para o al Qaeda, para os  democratas – até para os franceses. É claro que os 15% da humanidade que  sofrem de uma severa psicose limítrofe herdada não podem ser abraçados  por essa perspectiva, exceto sob medicação adequada. O desenvolvimento  de uma estratégia psico-espiritual, acompanhada de um programa  psico-social concomitante que reflita uma profunda perspectiva graciosa  de apreço positivo e incondicional mútuo, contra o pano de fundo da  convicção de que essa postura de graça incondicional é a verdadeira  história a respeito de Deus, tem chance de moldar nossos pressupostos  sobre teoria da personalidade e antropologia de modo a formar um novo  modelo global de relacionalidade construtiva. Isso é essencial para o  bem-estar humano e sem ele prosseguiremos na trajetória descendente de  processos que acentuem cada vez mais a cartada da violência. Isso deve  estar fundamentado num modelo psico-espiritual saudável. Os  fundamentalistas islâmicos fizeram-nos finalmente um grande favor, a  saber, acenaram diante de nós com um sinal claro de que o que molda o  significado humano é a questão de se Deus está doente ou saudável.
O modo honesto de se ler a história de Deus na perspectiva  psico-espiritual reconhece que o problema da ausência de bem-estar na  experiência humana, da disfunção humana, não é problema do pecado, na  construção moderna e moralista do conceito, mas o problema da  enfermidade, da inadequação e da incompletude humanas diante das  responsabilidades da vida e dos desafios da devoção.
Um modelo operacional desse tipo de relacionalidade pessoal e global  tem pelo menos as seguintes dez características práticas. Primeiro, a  encarnação, dentro da individualidade de cada um que se importa com essa  nova iniciativa, da aceitação incondicional do adversário e do outro  diferente, onde quer que essa pessoa ou comunidade se encontre neste  momento em seu estado de saúde ou de perversidade de espírito. Segundo,  uma profunda empatia que coloque a pessoa que se importa dentro do  sistema de referência da pessoa ou comunidade diferente ou alienada  (leia-se o al Qaeda, por exemplo). Isso levará a pessoa interessada a  discernir as fontes e a natureza das obstruções à relacionalidade cheia  de graça enfrentadas pelo outro diferente, bem como a sugerir  possibilidades para que se vença essa alienação. Essa graça  incondicional proporciona à pessoa ou comunidade alienada o potencial  para um novo senso de auto-estima, de significado salutar e de uma  narrativa divina saudável. Terceiro, essa iniciativa provê tanto pessoas  quanto comunidades com um senso de mutualidade na busca por bem-estar.  Quatro, implica no reconhecimento de que o iniciador compassivo adentra a  relação com suas próprias deficiências humanas.
Quinto: nesse contexto, existe a chance para que se torne evidente  que a visão de mundo da pessoa ou da comunidade que demonstra compaixão  expresse uma ambição abrangente pela integridade de todo o mundo de  seres humanos e de coisas, e que o bem-estar do outro diferente está  sendo buscado nesse cenário. Sexto, isso deveria tornar aparente que o  crescimento mútuo de pessoas e comunidades é uma possibilidade real e  esperada. Sétimo, ambos irão perceber operacionalmente a extensão em que  o bem-estar humano depende da saúde do Deus concebido por cada um. O  Islã teve longos séculos de uma visão de Alá que inspirou uma cultura e  uma relacionalidade ricamente salutar com judeus e cristãos. A grandiosa  sociedade islâmica espanhola é um exemplo. Oitavo, podemos antecipar  que essa estratégia evocará aquele nível de segurança e confiança que  coloca de lado modelos defensivos em ambos os lados e supera as  obstruções à mutualidade, ao crescimento, à integridade e ao bem-estar.  Nono, tanto pessoas quanto comunidades perceberão que estão sendo  afirmadas e levadas a sério. Décimo, a efetividade dessa jornada de  apreço positivo incondicional pode ser medida e criticada em uma  perspectiva psico-espiritual a cada passo do caminho, à luz da  expectativa de que a concretização última do bem-estar mútuo será  efetivada como maturidade psico-espiritual, com todos os benefícios  materiais e econômicos, acadêmicos e espirituais, estéticos e  espirituais que representam a verdadeira plenitude.
O presente conflito mundial, que tem assumido a forma de violência  internacional e de terrorismo, é atualmente a maior ameaça ao bem-estar  humano. Esse perigo é acompanhado pelo aterrorizante avanço da AIDS e  pelo desperdício de recursos que poderiam ser investidos em promover  avanços nas áreas da medicina, da saúde mental, da educação e da criação  de uma cultura de estética em nosso mundo. Todos esses terrores  continuam a violar e a solapar o bem-estar humano, devido a nossos  modelos e arquétipos psico-espirituais conscientes e inconscientes,  todos formados ao longo dos eixos da vingatividade, das estratégias  toma-lá-dá-cá para a resolução de conflitos, do estabelecimento de  barreiras entre pessoas e comunidades através de uma disciplina forçada  sobre elas, de enfrentar força com força, de fazermos aos outros o que  não queremos que nos façam e de nos certificarmos, a partir da doutrina  da defesa preventiva, de fazê-lo primeiro. Esses arquétipos de lutar com  fogo contra fogo são produtos de metáforas inconscientes de que o mundo  opera inflexivelmente deste modo, de que o universo opera  inflexivelmente deste modo, de que Deus opera inflexivelmente deste  modo. Se você tem um grande problema, recorra a violência decisiva. Deus  faz assim, porque não deveríamos? É como as coisas funcionam. Deus  ficou tão indignado conosco que não conseguiria voltar a colocar a  cabeça no lugar até ter matado alguém, ou nós ou seu único filho. Este é  o modo familiar em que as coisas estão configuradas.
Anton Boisen, Seward Hiltner e Donald Capps propuseram uma trajetória  de modificação da pessoa interior através da reformulação dos modelos  de comportamento exterior. Eles esperavam que isso fosse eventualmente  produzir uma mudança interior. John Carter, Bruce Narramore e H. Newton  Malony preconizaram uma reforma de nossa função interior pela  reestruturação do sistema de referência moral através da combinação de  uma teologia bíblica de certa forma literal e de uma psicologia  psicodinâmica. Eles acreditavam que os farás de a tradição do Deus  monstro dariam conta da tarefa. Sigmund Freud, Carl Jung e Eugen  Drewermann achavam que a psicologia psicanalítica seria capaz de  recanalizar a função de nossos arquétipos interiores. O trabalho de  todos esses tem suas utilidades, mas não chegam a alcançar os profundos  desafios estruturais nos quais a verdadeira obra precisa ser realizada. O  al Qaeda continuará a encontrar modos de lutar por Alá enquanto  persistir a crença de que Alá é um Deus do jihad e da fatwah, o  extermínio de infiéis na Umma muçulmana. Esse não é um empreendimento  diverso das cruzadas do século XII, e seu Deus guerreiro que ansiava que  seus servos “libertassem a Terra Santa do Turco Infiel”. Não é preciso  ponderar-se muito sobre a origem dos espíritos das cruzadas  contemporâneas. Também não é diverso da convicção israelita de que  deflagravam a limpeza étnica de Canaã no século XII a.C. porque esse era  o mandamento de Deus. É alarmante entender que foram os israelitas  contemporâneos a inventarem a noção perversa de defesa preventiva.
Não quero aqui propor qualquer trivialização ingênua do problema,  tentando psicologizá-lo ou espiritualizá-lo com uma superficialidade de  Escola Dominical. Também não quero subestimar o tamanho do desafio.  Quero que minha proposta se alinhe mais com o racionalismo agressivo e  prático de Ayn Rand do que com a sentimentalidade manipulativa do  litigioso e débil liberalismo norte-americano.
Não atingiremos o bem-estar humano até que tenhamos criado uma  cultura mundial de bem-estar. Não conseguiremos isso até que Deus esteja  bem. Uma cultura mundial de bem-estar implica um mundo de metáforas  psico-espirituais que produzam arquétipos inconscientes salutares. Para  conseguirmos isso devemos destruir o doentio Deus monstro que reina  inconscientemente no coração de todos nós. Os programas de reformulação  psicológica e moral valem o trabalho que dão. Freud e Jung  ofereceram-nos ajuda valiosa. Porém é o Deus monstro que deve ser  exorcizado e morto, se quisermos avançar rumo ao mundo de bem-estar que  somos capazes de imaginar, em vez do mundo letal que tendemos  continuamente a criar.
J. Harold Ellens, PhD
Universidade de Michigan
Universidade de Michigan
Vi na Bacia das Almas 
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