Arte de Jean Dubuffet
Por Fabrício Carpinejar (@carpinejar)
Viver tem sido adiantar o serviço do  dia seguinte. No domingo, já estamos na segunda, na terça já estamos na  quarta e sempre um dia a mais do dia que deveríamos viver. Pelo excesso  de antecedência, vamos morrer um mês antes.
Está na hora de encarar a folha  branca da agenda e não escrever. O costume é marcar o compromisso e  depois adiar, que não deixa de ser uma maneira de ainda cumpri-lo.
Tempo é ternura.
Perder tempo é a maior  demonstração de afeto. A maior gentileza. Sair daquele aproveitamento  máximo de tarefas. Ler um livro para o filho pequeno dormir. Arrumar as  gavetas da escrivaninha de sua mulher quando poderia estar fazendo suas  coisas. Consertar os aparelhos da cozinha, trocar as pilhas do controle  remoto. Preparar um assado de 40 minutos. Usar pratos desnecessários,  não economizar esforço, não simplificar, não poupar trabalho,  desperdiçar simpatia.
Levar uma manhã para alinhar os  quadros, uma tarde para passar um paninho nas capas dos livros e lembrar  as obras que você ainda não leu. Experimentar roupas antigas e não  colocar nenhuma fora. Produzir sentido da absoluta falta de lógica.
Tempo é ternura.
O tempo sempre foi algoz dos  relacionamentos. Convencionou-se explicar que a paixão é biológica, dura  apenas dois anos e o resto da convivência é comodismo.
Não é verdade, amor não é intensidade que se extravia na duração.
Somente descobriremos a  intensidade se permitirmos durar. Se existe disponibilidade para errar e  repetir. Quem repete o erro logo se apaixonará pelo defeito mais do que  pelo acerto e buscará acertar o erro mais do que confirmar o acerto.  Pois errar duas vezes é talento, acertar uma vez é sorte.
Acima da obsessão de controlar a  rotina e os próximos passos, improvisar para permanecer ao lado da  esposa. Interromper o que precisamos para despertar novas necessidades.
Intensidade é paciência, é  capricho, é não abandonar algo porque não funcionou. É começar a cuidar  justamente porque não funcionou.
Casais há mais de três décadas  juntos perderam tempo. Criaram mais chances do que os demais. Superaram  preconceitos. Perdoaram medos. Dobraram o orgulho ao longo das brigas.  Dormiram antes de tomar uma decisão.
Cederam o que tinham de mais  precioso: a chance de outras vidas. Dar uma vida a alguém será sempre  maior do que qualquer vida imaginada.

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 21/06/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16736
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