publicado originalmente na Cristianismo hoje
Evangélica relata a dor de ver seu filho tirar a própria vida.
Por Christine A.Scheller
Quando tinha 13 meses de vida, meu filho Gabriel teve seu primeiro ataque de asma. Eu e minha mãe estávamos terminando as provas do vestido e das lembranças para o meu casamento, que se aproximava. Gabe, como o chamávamos, ficou muito mal – durante todo aquele dia, revezamo-nos em turnos para assisti-lo e dar-lhe remédios que o acalmassem e mantivessem respirando até que o levássemos ao médico. No cair da noite, nós estávamos na emergência do hospital vendo os milagres que podem ser forjados com substâncias como adrenalina e esteróides orais. Gabriel passou os cinco dias seguintes, incluindo o do meu casamento, recuperando-se da crise numa tenda de oxigênio.
Essa memória me lembra que alegria, dor e doença são experiências arraigadas na história de minha família. A começar pelo próprio nascimento de Gabriel. Ele é filho de um tanzaniano e fruto de um romance universitário falido. Não havia o que esconder a respeito das circunstâncias de sua concepção e vinda a este mundo, principalmente depois que me casei com um homem branco como eu. Também não havia remédio para a dor dessas circunstâncias, a não ser o eterno bálsamo do amor.
Por aproximadamente duas décadas, o amor deu rédeas a Gabriel, a seu irmão, a meu marido e eu, como se nós galopássemos lindamente pela vida. Então nós tivemos uma surpresa. Ao mesmo tempo que Gabe se formou na universidade, ele tinha
sérias dificuldades em se relacionar com nossos amigos, e era
solitário. Por outro lado, nossas experiências pessoais com a igreja
tinham deixado eu e meu marido mancando e meus filhos, extremamente desmotivados em relação à vida cristã. Convenci a mim mesma que remédios em casa e o tempo iriam nos curar, e como autodemonstração de fé, contei para os outros que eu iria provar a supremacia do amor nas vidas dos meus filhos. Pois exatamente na época em que pensei estar retomando o controle da situação, meu filho Gabriel se suicidou. Ele tinha 23 anos.
As lembranças que tenho são de calma, entre inexoráveis ondas de
tristeza e culpa. Isso me lembra que eu não sou Deus; não posso saber ou
ver tudo. Isso também me lembra das muitas vezes em que eu consegui a
ajuda para meu filho antes que fosse tarde demais. Minha sanidade e fé
demandam cada lembrança. O suicídio é como uma cruel brincadeira
cósmica. Era como se Deus ou o diabo, ou algum Jó, estivesse
escarnecendo ou brincando conosco. Nossa paranóia era grande – teríamos
eu e meu marido sido pais relapsos ou negligentes? Que tipo de ironia
horrível foi aquela que fez nosso filho, um rapaz com tudo pela frente,
tirar a própria vida?
E o pior é que eu não era leiga no assunto. Ironicamente, no dia
anterior àquela tragédia, eu havia participado de um fórum sobre
psiquiatria e espiritualidade. Havia até postado textos na internet
sobre prevenção ao suicídio. Eu me martirizava pensando que deveria ter
reconhecido os sinais de aviso. Ao contrário do que se imagina, quem
exibe os mais pronunciados sinais de predisposição mental ao suicídio
tende a escolher recursos menos letais, enquanto aquelas que agem
impulsivamente recorrem a métodos violentos, como atirar-se de um ponto
alto. Por outro lado, menos de dez por cento dos sobreviventes de uma
tentativa de suicídio prosseguem no intento de tirar suas vidas. Para
mais de 90%, a crise passa.
Naquela noite fatídica, depois da chegada da polícia, recebi a visita
de Aaron Kheriaty, o psiquiatra que havia me encaminhado àquele
congresso. Ele pacientemente nos assegurou que a morte de Gabriel não
era nossa culpa. Lembro-me de suas palavras gentis, mas enfáticas,
insistindo que a morte nunca faria sentido, ainda mais através de
suicídio, um ato inerentemente irracional. Kheriaty era a pessoa
adequada para participar de nosso momento de dor, ao contrário de alguns
pastores que preferem descrever o suicídio como uma escolha imprudente
ou simples falha espiritual. Aquele especialista também falou no funeral
de Gabriel. Sua presença ajudou a estruturar meu desgosto e descansar
minha mente que estava imersa num oceano de dúvidas.
Passado o trauma inicial – refiro-me ao trauma, porque a dor não passa
nunca! –, relembrei as últimas conversas que tive com meu filho. Uma
delas foi justamente naquela noite, antes de ele sair. “Gabe, querido”,
eu disse. “O que está acontecendo com você? Seus olhos parecem mortos.”
Ele somente fez como que se não precisasse de nada e eu o deixei ir. Só
que Gabe, como aproximadamente metade dos universitários, tornou-se
depressivo quando deixou nossa casa. Eu o incentivei a procurar
conselhos no serviço escolar. Depois, olhando em perspectiva, desejei
que nós tivéssemos lhe dado um ultimato: que procurasse ajuda ou
voltasse para casa.
Somente nos fins de semana que passava conosco Gabriel revelava que
algo em seu íntimo ia errado. Ele se tornou um jovem fechado e
irritante, com humor oscilante. Notícias de empréstimos tomados sem
razão e casos de delinquência chegavam pelo correio quase que
diariamente. Ele usava roupas sujas para ir trabalhar, dormia pouco e
aparentava pouco apetite. Entretanto, pouco antes de sua morte, Gabriel
se apresentou em um clube de comédia. No dia da sua morte, ele brincou
com colaboradores e publicamente professou seu amor por Jesus.
Especialistas descrevem essa contradição como “suicídio calmo”, que
acontece quando alguém decide, finalmente, acabar com o tormento mental.
O aspecto vago que eu notei em seus olhos já era indício de depressão
suicida. No seu espírito, ele já tinha nos deixado.
Sobreviventes precisam de tempo e espaço para vir à realidade de
auto-avaliação. Kheriaty fechou sua mensagem com uma meditação do
Príncipe da paz. Na cruz e na sua agonia, nosso Senhor sofreu não
somente nossas aflições físicas, mas nossas angústias mentais também.
Fora de nossas profundidades nós choramos diante do Senhor, e ele
alcança o nosso profundo e nos levanta com ele. Deus sabe da
profundidade do nosso sofrimento; ele conhece a fragilidade do nosso
coração. E o coração do próprio Cristo, tão humano quanto divino, é
misericordioso além da medida. E é nessa misericórdia que nós colocamos
nossa esperança. Nas mãos estendidas na cruz, num gesto supremo de amor,
é que nós confiamos Gabriel.
Quando eu penso em tudo que Gabe sofreu em sua vida, fico sem entender
algumas coisas. E descubro que é difícil confiar em Deus ou me engajar
com intimidade como fiz uma vez. Todo dia, inalo um momento de graça.
Estou imensuravelmente grata pelo privilégio de ter sido a mãe de
Gabriel. Pela fé, vejo agora que meus encontros acidentais com Aaron
Kheriaty não foram uma piada cósmica, mas uma evidência da imanência de
Deus. Como Gabriel estava caminhando para fora da porta desta vida, eu o
chamei depois, dizendo “eu te amo”. Amor é tão forte como a morte,
conforme Salomão escreveu. Sim, o amor de Deus é mais forte.
Christine A. Scheller é escritora e mora em New Jersey, EUA
Prevenindo o que não se pode remediar
Segundo a Fundação Americana para Prevenção do Suicídio, esta é a quarta causa de morte entre pessoas de 18 a 65 anos e a terceira entre adolescentes e jovens adultos nos Estados Unidos. Todavia, noventa por cento das vítimas de suicídio sofrem de disfunção psiquiátrica diagnosticável – por isso, reconhecer os sintomas e tratá-los pode salvar vidas.
Fatores de risco incluem:
. Desordem psiquiátrica
. Uso abusivo de drogas (inclusive medicamentos legais)
. Tentativa anterior de suicídio, ou histórico familiar de suicídio ou doença mental.
. Fator demográfico (homens brancos de idade avançada possuem o maior percentual de suicídio; e indivíduos com tendência artística sofrem desproporcionalmente de disfunção de comportamento)
Sinais de advertência incluem:
. Desânimo persistente
. Perda de interesse em atividades antes consideradas agradáveis
. Falta de esperança
. Ansiedade, dor física, tensão interna
. Retraimento
. Distúrbios no sono
. Aumento do uso de álcool e/ou drogas
. Prática de atividades arriscadas
. Conversa sobre suicídio ou desejo de morrer
. Prodigalidade (doação de bens valiosos, por exemplo)
. Aquisição ou posse de arma de fogo, venenos ou drogas narcóticas
. Aumento de irritabilidade ou raiva
Caso você conheça ou conviva com um potencial suicida, saiba como ajudá-lo:
. Pergunte se a pessoa está considerando o suicídio e se ela tem plano neste sentido
. Evite culpar o potencial suicida. Em vez disso, expresse preocupação com empatia, assegurando-lhe que sentimentos suicidas são temporários, problemas podem ser resolvidos e a depressão é tratável
. Encoraje a pessoa a procurar ajuda profissional. Indivíduos suicidas geralmente acham que não podem ser ajudados
. Em situações de crise, não hesite em encaminhar a vítima a atendimento especializado
. Nunca deixe o suicida em potencial sozinho
. Remova objetos que poderiam ser usados em tentativas de suicídio
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