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"Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história." Bill Gates

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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Conselhos a um jovem escritor de teologia


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Tom Fernandes, no seu  blog
Este texto parte da paciente esperança de um amigo que há tempos me pede que escreva algo para os que estão começando a escrever. Como o foco principal dele é teologia, focarei também aqui em teologia. Demorei meses, ano talvez, para sentar e escrever este texto por ver nele uma tarefa sisífica. Mas, esta semana, as reações a outro texto meu (o amor não é docinho, bebê!) me deram a questão certa a ser discutida.
Pois bem, trabalho com livros há mais de dez anos, editei uma centena ou mais, revisei e preparei outras centenas de obras, grande parte de teologia e religião. De revisor freelance a gerente editorial, passando por empresário fracassado (publisher não é amor, mas também não é docinho) conheço todas as etapas e meandros da produção editorial. Defesa prévia feita (que sempre aparece um afiliado da herbalife com um “quem é você pra falar isso?”), darei os conselhos que meu amigo devoto de Santa Clara pediu.
Começo com o entendimento de que ninguém pode definir Deus, muito menos pode um teólogo definir a Deus. Como disse Ricardo Gondim: “Seu discurso sobre Deus não é Deus, é apenas seu discurso — e fala mais sobre você do que dele”. Assim, saiba que fazer e escrever teologia é sempre muito mais falar sobre você, sobre sua cultura, seus conceitos e preconceitos do que falar sobre Deus. Sua teologia nunca será a Palavra de Deus, assim como nenhuma é.

Mas se a teologia não é definitiva, tampouco pode ser dúbia. Sim, a vida é dúbia, cheia de contradições, complicações, complexidades e coisas fora do nosso controle. E só é linda por isso, por não ser definitiva e o próximo minuto ser sempre uma incógnita. Mas a dubiedade da vida é dura, concreta e nos machuca. O que peço que não faça é ser dubiamente macio, como temos visto tanta literatura ser. Ouso citar o Rabi e dizer: sejam suas palavras sim sim, não não. Em suma, assuma posições em seus textos, mesmo que sejam posições de dúvida, incerteza e desconforto.
Mais sobre ser macio. Não tente agradar a ninguém com o que escrever. Deus talvez (não estou bem certo sobre o quanto Deus se importa com o que escrevemos a seu respeito, desde que exista a vivência), mas nunca as pessoas. Escrever macio, mole, é definir a si mesmo como um escritor sem o que dizer, que tenta juntar elementos e falas alheias ao próprio discurso sem ele mesmo acreditar no que diz. Uma vez você me disse que tenho a mania de escrever como se tivesse certeza sobre tudo. Desta vez, você estava certo.
Insisto, não seja macio. Se acredita no inferno literal, diga-o em alta voz. Se entende Gênesis como mitológico, não se furte ao debate. E, a cada vez que mudar de opinião, tenha a decência de compartilhar. É essa decência, essa hombridade de se assumir falho e sujeito a repensar seus conceitos e refazer seus escritos que fará de você alguém digno de ser lido. Nada é mais chato que ler gente se repetindo quando ela já nem acredita mais no que escreve. Em suma, só diga o que acredita e diga se não acredita. Ou, nas palavras de Nelson Costa: Não tenha medo de falar “não sei”. Não saber é bom! É um caminho aberto para a busca do saber! Não se intimide com a falácia religiosa.
Entenda que a teologia foi feita para o homem e não o homem para a teologia. Se o que você escreve aprisiona, rouba ou mata em alguma dimensão, o uso a que ela se dá é morte. Se sua teologia leva alguém a ser menor do que você ou se corrobora para a manutenção de injustiças e sofrimento, ela pode ter qualquer fundamento, menos a vida do Nazareno.
Sofra um pouco. Se tiver coragem, sofra muito. Compre uma carreta e leve muito desaforo pra casa. Saia ao relento sem camiseta e … (está óbvio, espero, que estou sendo metafórico, mas falo de coisas bem profundas aqui) … se tiver ouvidos para ouvir, ouça. Qualquer teologia que não tenha cheiro de vida, lama, suor, vinho e alimento, é ascética, morta e desprovida de sentido. É assim falar sobre algo que não se vive, é assim uma criança definir como deve se comportar um piloto, um recruta definir o horror de uma guerra ou a virgem explicar o mistério de dar uma criança à luz.
Um conselho final. Ou dois. Primeiro, esqueça-se de toda a lei e conceitos aprendidos na faculdade. Deus não precisa de advogado. Não são os juristas, os doutores da lei ou os sábios que verão Deus face a face. É preciso abrir mão de toda erudição para passar alguns graciosos momentos com Deus e é preciso ainda menos erudição para dizer aos companheiros o quão agradáveis foram. Por fim, teologicamente falando, não se prenda ao que digo, não me tome (nem a ninguém) por totem ou mestre. Leia e procure entender católicos, anabatistas e até um palmeirense ou outro, mas largue tudo na primeira esquina, assim que olhar para o céu e não conseguir compreender o mistério do firmamento. Aí então estará pronto para a arte de escrever sobre Deus.
P.S.: Sei que esperava conselhos também sobre estilo, estética e retórica, mas está um dia lindo lá fora e o Benjamim quer jogar bola. Abraços.

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