publicado no Minorulandia
Que Deus pode tudo, isso ninguém questiona. Aliás, se não fosse assim, não serviria para ser meu Deus. A questão é “Terá Ele algum escrúpulo para optar em fazer, ou não, alguma coisa?”, “Quando rogamos por um milagre, que tipo de Deus nós estamos evocando?”, “Que tipo de pessoa eu estou sendo quando peço algumas coisas à Deus?”. Isso, o ponto é exatamente esse: Será que Deus não obedece nenhum tipo de Ética?
Explico. O ônibus que ia para um acampamento capotou, o motorista dormiu ao volante. Apenas um homem sobreviveu, 43 pessoas morreram. Este único sobrevivente chega à sua igreja e dá o seguinte testemunho “Irmãos! Bem como está em Salmos, mil caíram ao meu lado e eu não fui abalado! Deus me guardou debaixo de suas asas!”.
Outro exemplo: Uma menina está às vésperas de uma grande prova, um concurso público. Então sua mãe organiza um jejum para que sua filha saia vitoriosa. Outro exemplo? Um empresário de sucesso, muito religioso, arrisca uma “tacada ousada” na bolsa de valores. São milhares de dólares em jogo. Antes de dormir ele ora pedindo pela vitória e lembra a Deus como ele tem sido fiel com seu dízimo.
Que tipo de pessoa você está sendo quando pede determinadas intervenções divinas? Quantas pessoas, quantos valores e quantos princípios o milagre que você está pedindo irá atropelar? O que te faz tão prepotente à achar que Deus salvou o seu parente do câncer, mas não salvou o do quarto ao lado? E isso leva a outra pergunta, pior ainda: Que tipo de Deus é esse ao qual você está seguindo?! Será que você era o mais santo e puro daquele ônibus? Será que você é a pessoa que estudou mais para aquela prova? Será que, diante de realidades degradantes de vidas abaixo da linha da miséria, a duplicação de uma fortuna na bolsa de valores é mesmo um pedido honroso de milagre?
Sei que diante de um coração apertado, muitas vezes não raciocinamos direito e não percebemos que nossos pedidos estão atropelando valores, princípios e pessoas. Entendo que, até por Amor e carinho, torcemos muito para que algumas coisas aconteçam. Mas, mesmo diante dessas situações, não podemos usar a religião, a fé, Deus e o que mais for, de maneira tão egoísta. Deus não é uma ferramenta, uma máquina onde colocamos fichas e pedimos por milagres sempre que precisamos. Eu acredito que a vida é um turbilhão de acontecimentos, bons e ruins, que tornam nossa vida um infinito de possibilidades. Somos responsáveis por nossas atitudes e pelo que fazemos de nossas vidas e isso em nada diminui o poder de Deus! Apenas reafirma a coerência de um Deus que não controla, mas Ama.
Deus não está no AVC (para dar algum tipo de punição ou lição), ele está na busca pela cura. Deus não permite acidentes para aprendermos algo com isso, ele chora diante da irresponsabilidade humana e senta ao lado da mãe na sala de espera do hospital. Reafirmo que não questiono a onipotência de Deus para realizar coisas impossíveis, ou mesmo de atender pedidos. Mas não consigo fingir que não vejo as implicações éticas de alguém que deposita suas esperanças num milagre egoísta e nega o próprio cristianismo numa atitude, não de Amor, mas de TRAPAÇA.
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