Historicamente o propósito da tradução das escrituras sagradas era levar a Bíblia à aqueles que não a podiam ler no idioma original. Os tempos passaram e houve uma mudança do propósito original.
Em dezembro de 2006 "The New Yorker" publicou o artigo "O negócio do bom Livro", texto que afirmou: "A ideia de que a Bíblia é o livro mais vendido de todos os tempos obscurece um fato ainda mais surpreendente: a Bíblia é o livro mais vendido do ano, todos os anos ... Este é um negócio extremamente competitivo ... Todos os anos as editoras analisam a sua linha de produtos em busca de falhas, analisam as ofertas da concorrência, e conversam com os consumidores, varejistas e pastores sobre suas necessidades."
Em suma, a tradução e impressão de Bíblias é "Grande Negócio ". No mundo do consumismo o principal objetivo do produtor é oferecer um produto que apele ao consumidor. Por esta razão a tradução deve estar de acordo com as expectativas do comprador. Se a Bíblia publicada não está de acordo com as expectativas dos compradores, mesmo que seja mais precisa, melhor traduzida e bem revisada, ela não irá vender.
Steven Voth, da United Bible Societies e autor do excelente livro The Challenge of Bible Translation, desabafou sobre o tema em um artigo em que usou as seguintes palavras:
“Por que devemos colocar em risco a venda de 100.000 cópias por causa de uma palavra simples e aparentemente inocente? Porque uma palavra pode levar a resultados mais catastróficos, uma questão que deve ser tratada por aqueles entre nós que são membros da equipe de tradução. Que parâmetros éticos devemos usar? Certamente, não há razões linguísticas, exegéticas ou translacionais para alterar o texto. A única razão para alterar o texto seria a de satisfazer a necessidade de vender 100.000 cópias da Bíblia. Nesse ponto eu me pergunto: Iremos mudar a tradução de um texto bíblico cada vez que alguém com poder de marketing solicite uma mudança? Quando chegará o tempo que no trabalho de tradução da Bíblia, diremos “basta!”
Enquanto eu lia o longo texto de Steven Voth eu tentava prever o que aconteceria se algum dia um desses 'papas evangélicos', com seus milhares de fanáticos consumidores, decidisse usar seus dólares para pressionar os tradutores por uma versão bíblica inclinada a favorecer suas doutrinas, quando onze parágrafos depois, me deparo com as seguintes palavras de Voth:
“Curiosamente uma igreja neo-pentecostal muito grande e muito conhecida, a Igreja Universal do Reino de Deus, entrou em contato com certa Sociedade Bíblia Nacional e exigiu a produção de uma edição da Bíblia Reina Valera de 1960, conforme seus padrões doutrinários, e pressionando disseram que se a Sociedade Bíblica não fornecesse a mudança no texto que eles exigiam, iriam por sua vez comprar as Bíblias da Sociedade Bíblica Internacional que estaria interessada na proposta.”
Segundo Voth, o grande problema no incidente envolvendo a IURD é que as considerações éticas estavam totalmente ausentes quando o pedido na mudança da tradução foi feita e o único critério em operação era o impulso do mercado, Voth continua:
"As perguntas corretas nunca foram feitas: Até que ponto pode a tradução da Reina Valera ser alterada e ainda assim ser chamada de Reina Valera? Quem tem o direito de fazer um simples "localizar e substituir" numa versão da Bíblia? Ainda existe uma coisa chamada “respeito pelo texto original, e o que isso significa?”
Os tradutores são competentes, porém a exigência das editoras é que a Bíblia tenha boa saída de mercado, mas antes de crucificarmos as Sociedades Bíblicas devemos lembrar, o mercado é formado pelos crentes. As pessoas compram Bíblias pelas mais diversas e fúteis razões. Querem uma capa de outra cor, gostam do dicionario bíblico nela incluído ou por causa do mapa colorido nas últimas páginas, ou ainda porque é a Bíblia da moda, recomendada por aquele figurão evangélico com partilha garantida nos lucros da venda.
É muito difícil encontrar um equilíbrio em relação às traduções e o consumidor. Enquanto os neo-pentecostais são extremamente Atenienses, e “de nenhuma outra coisa se ocupam, senão de ouvir alguma novidade” (Atos 17:11;21) abertos a aceitar qualquer distorção das escrituras que vier do púlpito, os mais Bereianos que “recebem a palavra examinando as escrituras” (Atos 17:11) tendem a resistir às corretas mudanças feitas em melhores versões. Enquanto os Atenienses prestam status de “revelação” à qualquer vento de doutrina que se lhes atiram no cocho, os Bereianos detestam ter sua fé incomodada quando aquele velho versículo, decorado desde os tempos de EBD, foi melhor traduzido e muda de sentido, mesmo que a nova versão apresentada esteja mais próxima do original.
Segundo Steven Voth os melhores projetos de tradução da Bíblia são os projetos independentes das grandes editoras que não buscam agradar ao leitor da Bíblia. Mas mesmos esses projetos independentes, ao lidarem com traduções para as línguas majoritárias, descobrem que os custos são enormes e uma organização sem fins lucrativos espera que o produto venha a satisfazer os objetivos e, assim, recuperar parte, se não todo, investimento para que outros projetos em outras línguas possam ser iniciados. A satisfação dos objetivos torna-se de uma maneira ou de outra um fator poderoso na mesa de tradução que novamente cai na satisfação do mercado que sempre exerce uma enorme pressão sobre uma equipe de tradução.
Diante dos maus dias em que vivemos, cada crente em Jesus Cristo deve aprender a utilizar ferramentas de interpretação, contextualização e tradução de trechos da Bíblia disponíveis como dicionários e concordâncias a fim de proteger a sua fé. É nossa responsabilidade cristã, de conhecer e manejar bem as escrituras mas nunca e nunca, aceitar aquilo que é ouvido do púlpito sem que tudo seja antes consultado e verificado. Cada um de nós deve estar disposto a fazer as suas próprias investigações sobre o significado e interpretação dos textos sagrados e se possível, aprender a ler o texto na sua língua original.
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