capturado no Bule Voador
Estudo provocativo ligando descrença religiosa ao pensamento analítico requer uma análise mais cuidadosa.
Os psicólogos Will Gervais e Ara Norenzayan não estão tentando causar conflito, mas seu último trabalho na psicologia da crença religiosa é garantia de acender as chamas do debate.
O estudo deles, publicado na edição dessa semana na Science, oferece evidências de que quando uma pessoa se empenha em pensar analiticamente, ela está menos propensa a manifestar fortes convicções religiosas. Em outras palavras, quanto mais inclinado você está a pensar em um problema ao invés de confiar somente no seu ímpeto, menores as chances de você se entregar a crenças em agentes sobrenaturais.
Os autores, que estão situados na University of British Columbia em Vancouver, Canada, deixam claro que eles não estão se pronunciando sobre o valor da crença religiosa, nem sugerindo que essa fé é inerentemente irracional (e muito menos que ela é falsa). “Não estamos insinuando nada”, eles estão dizendo, de certo modo
Mas avisos honestos como esses não previnem alguns ateístas de declarar que o estudo mostra que religião é o resultado de falha de raciocínio , se não estupidez pura e simples, para a qual a única cura é uma dose pesada de sobriedade analítica (pela minha experiência, parecem ser a ideias extremas, sejam religiosas ou o oposto, as inimigas verdadeiras do pensamento analítico).
A crença ou descrença em entidades religiosas está sustentada em processos cognitivos complexos que pesquisadores estão começando a investigar só agora.
O que esse estudo valioso e estimulante revela, contudo, é a dificuldade de submeter o pensamento religioso a uma pesquisa científica minuciosa. É importante que a gente se esforce para isso – no mínimo para compreender como e por que religião pode promover ignorância, intolerância e conflito. O problema é que é praticamente impossível conceber uma investigação da ‘crença religiosa’ per se, porque ela se manifesta de de múltiplas formas, além de raramente consistir em um conjunto coerente e consistente de princípios, mesmo quando se trata de um só indivíduo. É como tentar estudar o que faz uma pessoa “artística” ou “legal”.
PRIMADOS E PREPARADOS
É por isso que as objeções e as ressalvas a este estudo são tão óbvias, porém igualmente pertinentes. A abordagem padrão dos pesquisadores era a de testar voluntários – em alguns casos graduandos canadenses e em outros, como a tese explica, uma “amostra de âmbito nacional (porém não representativa) de adultos norte-americanos recrutados online”. Os dois conjuntos de voluntários são constituídos de uma amostragem limitada, como Gervais e Norenzayan reconhecem.
Durante os testes, os voluntários estavam engajados em uma tarefa que secretamente os incitava ao pensamento analítico, ou estavam recebendo uma tarefa de controle. Então, eles respondiam se eles concordavam com uma série de arfimações sobre religião, como “Eu acredito em Deus” ou “Na verdade eu não passo muito tempo pensando em minhas crenças religiosas”.
Estes testes de “primação”* tinham graus de sutilidade variados. Um envolvia observar a escultura famosa de Rodan “O Pensador”; para o grupo de controle, uma imagem semelhante, mas conceitualmente diferente, de um atleta da grécia antiga. Outro caso envolvia um teste de ordenar palavras, em que as palavras podiam ou não estar relacionadas ao pensamento analítico (“razão, “ponderar” e assim por diante). Está bem estabelecido que tais modos de primação podem provocar modos específicos de pensamento; por exemplo, melhorando a performance em testes analíticos.
Um dos pontos fortes dessa abordagem é que ela pode nos sugerir algo sobre causalidade. Não se está simplesmente examinando se ateus têm uma tendência maior de pensar analiticamente, mas sim tentando detectar se alimentar o pensamento analítico aumenta a descrença. Aparentemente a resposta é positiva e, nessa medida, ela sustenta a ideia de que instrução científica pode reduzir a religiosidade.
Mas que tipo de religiosidade? Os autores afirmam: “focamos primariamente na crença em e no comprometimento com agentes sobrenaturais endossados religiosamente” – eles examinaram a fé em Deus, no diabo e em anjos. Isto, é claro, já presume um contexto judaico-cristão, enquanto na verdade há uma quantidade abundante de fiéis devotos que não têm relação nenhuma com anjos ou o diabo, e alguns talvez não tenham também a necessidade de uma crença em Deus no sentido cristão tradicional (Max Planck foi um exemplo disso).
Isso aponta para o problema central, que é (ou sugere ser) um dilema tanto para a religião em si quanto para estudos científicos sobre ela. Quase todas as questões no estudo de Gervais e Norenzayan trataram a religião como uma tradição popular literalista – um certo estilo de vida. Esse é o modo como ela se manifesta na maioria das culturas, mas mal toca na religião como articulada pelos seus estudiosos principais: para cristianismo, vamos dizer, filósofos como Tomás de Aquino, David Hume, Immanuel Kant e George Berkeley. A idea de que as crenças desses indivíduos teriam desaparecido se eles tivessem sido mais analíticos é, se nada mais, engraçada. As conclusões de Gervais e Noerenzayan devem ajudar a combater a religião como um obstáculo indolente para explicações melhores sobre a natureza no geral. Porém, elas não podem realmente dar conta da rica tradição que o pensamento religioso possui.
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Referências:
- Gervais, W. M. & Norenzayan, A. Science 336, 493–496 (2012)(Artigo, PubMed, ISI,ChemPort)
- Alter, A. L., Oppenheimer, D. M., Epley, N., Eyre, R. N. J. Exp. Psychol. 136, 569–576 (2007) (Artigo)
* “Primação” é a tradução do termo “priming” da psicologia cognitiva (às vezes traduzido como “estímulo precedente”). Siga esse link para uma explicação sobre o assunto do nosso editor André Rabelo, em sua coluna do Science Blogs.
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