As informações em tempo real estão acabando com a nossa sanidade. Um novo livro traz conselhos para quem quer recuperá-la
Danilo Venticinque, na revista Época [via Livros e Pessoas]
Os leitores estão enlouquecendo. Faça uma visita às caixas de comentários de qualquer grande portal e você verá o quanto são raras as demonstrações de bom senso. O caps lock parece ser a tecla da moda. Há xingamentos para todos: o autor da reportagem, os entrevistados, os outros comentaristas e as famílias de todos os envolvidos. Teorias da conspiração abundam. Um acidente de carro na Grã-Bretanha ou a alta no preço dos sanduíches no Rio de Janeiro podem ser culpa da Dilma, do PSDB, da imprensa, do imperialismo americano ou de todos eles juntos, dependendo de quem for o leitor.
Antes que alguém se aventure a buscar uma explicação na política nacional, convém lembrar que esse fenômeno se repete no mundo inteiro. Mudam os nomes dos partidos, os políticos execrados e o idioma dos palavrões. A atitude continua igual. O lado bom é que, salvo algumas infelizes exceções, ainda não estamos discutindo aos berros no meio da rua e pulando no pescoço alheio. Reservamos esse comportamento para as caixas de comentários de notícias. Porque são elas as responsáveis por nossa loucura.
Começamos a consumir informações em tempo real há algumas décadas, mas raramente paramos para pensar se isso é saudável. Já escrevi aqui sobre as vantagens de largar as notícias de vez em quando e reservar tempo para leituras mais nutritivas – reportagens mais longas, ensaios e, sobretudo, livros. Abandonar as notícias permanentemente não é uma opção, ao menos para a maioria de nós. Manter-se desinformado por algumas horas pode ser um prazer, mas a desinformação por um período prolongado logo se transforma em ignorância.
Se as notícias são necessárias, precisamos encontrar uma forma saudável de consumi-las. O livro recém-lançado The news: A user’s manual (Notícias: Um manual do usuário), do filósofo suíço Alain de Botton, traz sugestões para os leitores que querem aproveitar o que as notícias têm de bom sem cair em suas armadilhas. Reuni 11 das principais dicas do autor nos itens a seguir.
1. Tenha um motivo para ler
Com muita frequência, clicamos em notícias nas redes sociais ou nas páginas de grandes portais simplesmente porque não estamos fazendo nada. “As notícias não vêm com manual de instruções porque lê-las é teoricamente uma das atividades mais fáceis e óbvias do mundo, como piscar os olhos e respirar”, afirma Botton. Quando ler notícias se transforma num passatempo, porém, deixamos de pensar sobre as informações que recebemos e aproveitamos muito pouco do que lemos. Antes de ler uma notícia, faça duas perguntas simples para você mesmo: o que você quer saber e por quê? Essas duas respostas tornarão sua leitura muito mais proveitosa.
2. Enfrente seu tédio
“Caetano Veloso estaciona no Leblon” é uma informação que absorvemos instantaneamente. “ONU acusa Coreia do Norte de crimes contra a humanidade” exige algum esforço. As notícias mais relevantes são, na maioria das vezes, as mais monótonas. A culpa nem sempre é do repórter. Alguns assuntos são naturalmente mais áridos do que os outros. Cabe ao leitor perseverar. Se você só der atenção às reportagens fáceis de ler, continuará desinformado mesmo depois de horas dedicadas às notícias.
3. Tente aprender algo
Se você somar todo o tempo que gasta lendo notícias ao longo de um ano, perceberá que essa atividade toma semanas ou até meses inteiros. O que ganhamos em troca do tempo investido? A resposta depende muito do tipo de notícia que lemos e da maneira como encaramos essa leitura. Um mês dedicado a acessar centenas de notícias de política diariamente para ofender candidatos nos comentários é um mês desperdiçado. O mesmo tempo pode ser muito bem aproveitado se lermos reportagens mais aprofundadas sobre os problemas e conquistas do país, entendermos o ponto de vista de cada candidato e nos tornarmos eleitores (e cidadãos) melhores. Depois de ler uma notícia, pergunte-se se aprendeu algo com ela. Se a resposta for “não” na maioria das vezes, é um sinal de que você está lendo as notícias erradas ou dando pouca atenção a elas.
4. Seja seu próprio editor
Diariamente, editores enfrentam a tarefa de escolher quais são os fatos mais importantes para os leitores. A tarefa é difícil e a margem de erro é enorme. O que importa para um leitor pode ser absolutamente irrelevante para outro. Há notícias que todos devem ler, mas a maioria dos nossos interesses é pessoal. Talvez a informação mais importante do dia para você não esteja na manchete, mas sim no pé da página, ou até mesmo em outro site. Busque-a. Você é o único responsável por encontrar o conteúdo que você quer ler.
5. Acompanhe as grandes histórias
Muitas das notícias que lemos são apenas pequenas partes de narrativas muito maiores, que só serão compiladas por historiadores daqui a alguns anos. Notícias como “Batistas abrem espaço para que mulheres sejam pastoras” ou “Lupi voltou a negociar com Eduardo Campos” tornam-se muito mais interessantes quando as enxergamos como peças num quebra-cabeça, e não como fatos que se encerram em si. Acompanhar as notícias diariamente é como ler, ao mesmo tempo, dezenas de livros que ainda estão sendo escritos. Quem se dá conta disso consegue aproveitá-las muito mais.
6. Pense como um estatístico
Diariamente, centenas de milhões de fatos triviais acontecem sem registro nos jornais, revistas ou sites noticiosos. O noticiário privilegia, por princípio, acontecimentos incomuns. Uma desvantagem disso é que, se formarmos nossa visão de mundo com base no jornalismo, teremos a impressão de que fatos atípicos são muito mais frequentes do que parecem. A maioria dos aviões não cai. A maioria dos motoristas não se envolve em acidentes graves. A maioria das pessoas que caminham na rua à noite não é assaltada. Há motivos para termos cuidado, mas o mundo não é tão perigoso quanto os jornais nos dizem.
Por mais que as notícias ruins chamem atenção, quem tiver paciência para procurar algo construtivo em meio ao noticiário será recompensado. As notícias nos mostram o que pensam e como vivem algumas das pessoas mais importantes e bem-sucedidas de nossa geração. É possível encontrar bons exemplos nas páginas de política, economia, cultura, esportes e celebridades. Ler sobre eles pode nos ensinar a viver melhor.
8. Não seja uma máquina de indignação
A raiva é a reação natural a muita das notícias que lemos. Crimes, denúncias de corrupção e declarações impensadas em entrevistas nos deixam instantaneamente indignados. Isso é, a princípio, algo bom. A indignação é fundamental para que busquemos melhorar a sociedade. O risco é nos transformarmos em máquinas de indignação em série, sentindo raiva de uma notícia diferente a cada dia sem fazer nada a respeito disso. “As notícias deveriam nos ajudar a ter raiva pelos motivos certos, e a transformá-la em algum projeto construtivo”, afirma Botton.
9. Lembre-se das notícias de ontem
O jornalismo é obcecado pela novidade. Histórias que são importantíssimas hoje podem desaparecer das páginas dos sites e jornais amanhã ou na semana que vem, a não ser que algo novo seja descoberto. Isso não as torna menos importantes. Muitas vezes esquecemos denúncias de corrupção publicadas há meses ou anos apenas porque não há nada de novo no caso. Será que o que era suficiente para nos indignar ontem merece ser completamente esquecido hoje?
10. Não terceirize suas opiniões
Basta abrir um jornal ou acessar um site de notícias e você encontrará dezenas de pessoas dispostas a pensar por você. “Flaubert odiava as notícias por acreditar que elas impediam os leitores de pensar por contra própria”, afirma Botton. As redes sociais tornaram isso ainda pior. Quem quiser abrir mão do direito de formar sua opinião precisa apenas clicar em curtir ou compartilhar. Alguns chegam ao absurdo de “limpar” a timeline quando deparam com um ou outro amigo discorda de sua opinião. Ouvir quem discorda de nós é fundamental para que aprimoremos nossas ideias. Leia as opiniões favoráveis e contrárias à sua. Abra jornais, revistas e sites diferentes. Quanto mais opiniões você ler sobre algum assunto, mais ponderada e instruída será a sua.
11. Saiba quando se desconectar
“Para ter uma vida fértil, é necessário reconhecer os momentos em que as notícias não têm nada importante ou original para nos ensinar”, diz Botton. Se as notícias do dia começarem a te entediar ou irritar, resista à tentação de abrir a caixa dos comentários para descontar a raiva. É muito mais produtivo esquecer as notícias por algum tempo e procurar algo melhor para ler. Experimente o prazer de ser desinformado por algumas horas. Não há mente sã que resista a uma overdose de notícias.
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