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"Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história." Bill Gates

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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Santificação, amor e justiça


Por Hermes C. Fernandes, no  Cristianismo Subversivo

Qual deveria ser a motivação correta para a busca da santificação? Para muitos, tem sido o medo; medo do inferno, do diabo, de perder a salvação, e por aí vai. Outros julgam acumular méritos diante de Deus. Para estes, a santificação é uma moeda de troca. Se me santifico, posso cobrar de Deus o que quiser.  Isto está mais parasantiforçação. Santificar-se sobre tais bases equivale a construir sobre a areia movediça. A qualquer momento, tudo desaba.

A única motivação válida e aceita por Deus é o amor. Não nos santificamos por nós mesmos, visando algum benefício próprio, mas pelos outros.

Em Sua oração sacerdotal, Jesus rogou:

“Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. E por eles me santificoa mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade.” João 17:17-19

O mais santo dentre os homens, mesmo sendo Deus encarnado, precisou santificar-se. Não por Si mesmo, mas visando o bem dos que Lhes foram confiados pelo Pai. Devemos, portanto, seguir os Seus passos e buscar a santificação que visa o bem comum. Paulo expressa seu desejo de que o Senhor nos aumentasse, e nos fizesse“crescer em amor uns para com os outros, e para com todos”, para que assim, nos tornássemos “irrepreensíveis em santidade diante de nosso Deus e Pai” (1 Ts.3:12-13). Nosso amor não deve ser direcionado exclusivamente ao grupo a que pertencemos. Pelo contrário, deve ser inclusivo. Ninguém deve ficar de fora de seu alcance. Somente assim alcançaremos o padrão de santidade esperado.

Se a motivação para a santificação deve ser o amor, o resultado dela deve ser ajustiça. Não custa lembrar que justiça é dar a cada um o que lhe é de direito. Quando reconhecemos o lugar do outro, sem cobiçá-lo ou invejá-lo, mas estimulando-o a ocupá-lo plenamente, estamos pavimentando o caminho para a prática da justiça do reino de Deus. Na mesma epístola em que Paulo fala sobre crescer em amor para com todos, ele também diz:

“Vede que ninguém dê a outrem mal por mal, mas segui sempre o bem, uns para com os outros, e para com todos (...) Abstende-vos de toda espécie de mal. E o próprio Deus de paz vos santifique completamente.”  1 Tessalonicenses 5:15, 23a

Como amar sem se dispor a beneficiar a quem se ama? Como amar sem ser justo? Sem seguir o bem, uns para com os outros e para com todos? Tornamo-nos irrepreensíveis em santidade quando amamos indistintamente. Mas, somos santificados completamente quando promovemos a justiça indistintamente. Amar sem praticar a justiça é como encher o tanque do carro para deixá-lo na garagem. 

Não basta ter disposição para fazer o bem. Há que se ter disponibilidade para tal. Os membros de nosso corpo, antes oferecidos como instrumentos de iniquidade (injustiça), apresentados “à maldade para maldade”, agora devem ser apresentados para “servirem à justiça para santificação” (Rm.6:19). Tiramos nossas ferramentas do almoxarifado da iniquidade para disponibilizá-las no balcão da justiça. 

Servir à justiça é levantar as mãos cansadas, os joelhos vacilantes, e fazer veredas direitas para os pés, “para que o é manco não se desvie, antes seja curado”. E assim, seguimos “a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb.12:12-14). 

Somos facilitadores. Em vez de dificultar o acesso, preferimos facilitar. Somos chamados a ser pacificadores, não agitadores. Buscamos e promovemos a paz. Todavia, a paz só é possível se precedida pela justiça. E a justiça só se estabelece quando precedida pelo amor. De trás para frente: o amor produz a justiça, e justiça produz a paz, e ambos pavimentam o caminho da santificação. 

O mundo é um terreno acidentado, cheio de montanhas e vales, altos e baixos. O plano de Deus é aplainar, endireitar e nivelar este terreno. Quando finalmente a justiça for estabelecida, não haverá mais ricos e pobres, grandes  e pequenos, dominantes e dominados; logo, não haverá luta de classes, nem injustiça social. Como profetizou Isaías: "Todo vale será exaltado, e todo o monte e todo outeiro será abatido, e o que é torcido se endireitará, e o que é áspero se aplainará. E a glória do Senhor se manifestará, e toda a humanidade a verá, pois a boca do Senhor o disse" (Is.40:4-5). Era com isso em mente que Jesus disse que sem a paz que é resultado da justiça e a santificação resultante do amor, ninguém verá o Senhor. O terreno precisa ser nivelado para que todos O vejam. Não se trata aqui daquela visão que teremos d'Ele no último dia, mas de discerni-lO no dia-a-dia, de enxergá-lO principalmente no outro, tanto no semelhante quanto no diferente, tanto no próximo quanto no distante. Para isso, temos que aplainar o caminho, remover as pedras, facilitar o acesso. "Passai, passai pelas portas; preparai o caminho ao povo; aplanai, aplanai a estrada, limpai-a das pedras" (Is.62:10). Como diz a  canção de Roberto Carlos cantada pelos Titãs:"Toda pedra do caminho você pode retirar. Numa flor que tem espinhos, você se arranhar. Se o bem e o mal existem, você pode escolher. É preciso saber viver."

Cumprir-se-á, então, o que fora profetizado por Isaías:

“E ali haverá uma estrada, um caminho, que se chamará o caminho santo; o imundo não passará por ele, mas será para aqueles; os caminhantes, até mesmo os loucos, não errarão.”
Isaías 35:8

O imundo é o que insiste em atribuir profanidade à vida. É aquele cuja consciência não foi devidamente purificada. Afinal, “tudo é puro para os que são puros, mas para os corrompidos e incrédulos nada é puro; antes tanto a sua mente como a sua consciência estão contaminadas” (Tt.1:15). O imundo não consegue discernir a santidade intrínseca da vida do outro. Ele a profana, a banaliza. Por isso, não consegue tratá-lo com justiça. A vida do outro nada vale. Portanto, que direito ele teria?

Uma vez mais, Paulo nos admoesta:

“Ora, amados, pois que temos tais promessas, purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus. Recebei-nos em vossos corações; a ninguém fizemos injustiça, a ninguém corrompemos, a ninguém exploramos.”  2 Coríntios 7:1-2

Da mesma maneira como devemos santificar a Cristo como Senhor em nossos corações, também devemos receber qualquer ser humano em nossos corações, garantindo-lhe cadeira cativa. Aos olhos de quem ama, todos são santos. Por isso é inadmissível que se faça injustiça a qualquer ser humano, ou que procuremos corrompê-lo ou explorá-lo visando nosso proveito próprio.

Ninguém deve ser reputado por banal, profano, comum, impuro. Como disse Jesus a Pedro: “Não chame impuro ao que Deus purificou” (At.10:15). Os europeus se acharam no direito de explorar os índios porque não conseguiam enxergar a sacralidade de suas vidas. O mesmo se deu com os negros feitos escravos. E com as mulheres ao longo de séculos. Elas nem sequer eram contadas nos censos. Visando corrigir isso, Pedro orienta aos maridos a tratarem suas respectivas esposas com honra, reconhecendo sua fragilidade, e vendo-as como co-herdeiras do dom da graça e da vida. Como se não bastasse, o apóstolo ameaça aos trogloditas de que suas orações não serão ouvidas, caso se neguem a atribuir à mulher o seu devido valor (1 Pe. 3:7). Leis como a “Maria da Penha” é uma tentativa de se resgatar o valor e a sacralidade da mulher. Documentos como o Estatuto da Criança e do Adolescente visam resgatar a sacralidade original da vida infantil. O trabalho infantil profana a mais bela das idades.

Quem percebe a santidade inerente da vida, recusa-se a usar quem quer que seja visando seus interesses. Usar alguém é coisificá-lo, vendo-o como um objeto que mais tarde poderá ser descartado. Quem assim age, atenta contra a sacralidade da vida, banalizando-a, profanando-a, aviltando-a.

Foi neste contexto que Paulo diz que a vontade de Deus é a nossa santificação, e que, portanto, devemos nos abster da fornicação (1 Ts.4:3). Engana-se quem pensa que fornicação seja sinônimo de sexo entre solteiros. O termo grego é “pornéia” que, em linhas gerais, significa impureza sexual, que pode ser claramente identificada como a coisificação do sexo. Mesmo casados podem estar fornicando quando se usam mutuamente na busca por prazer, sem considerar o sentimento e o prazer do outro.  Paulo arremata: “que cada um de vós saiba possuir o seu vaso em santificação e honra; não na paixão da concupiscência, como os gentios, que não conhecem a Deus. Ninguém oprima ou engane a seu irmão em negócio algum, porque o Senhor é vingador de todas estas coisas, como também antes vo-lo dissemos e testificamos. Porque não nos chamou Deus para a imundícia, mas para a santificação” (vv. 4-7). A questão não é o sexo em si, mas usá-lo com objetivo torpe de oprimir, enganar, lesar, tirar vantagem. Outras ferramentas além do sexo podem ser perfeitamente usadas para o mesmo intento.

Em Efésios 4:23-28, Paulo nos abre mais o leque:

 “E vos renoveis no espírito da vossa mente; e vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade. Por isso deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo; porque somos membros uns dos outros. Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira. Não deis lugar ao diabo. Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha o que repartir com o que tiver necessidade.” Efésios 4:23-28

Definitivamente, a mentira e o furto não combinam com o nosso novo ser, recriado de acordo com a imagem de Deus, em justiça e santidade.  Como poderíamos enganar a alguém sem que profanássemos a santidade das relações humanas? Como poderíamos lesá-lo sem antes lesarmos nossa própria consciência? Antes, preferimos a verdade ao engano, ainda que nos traga prejuízo. Arregaçamos as mangas e trabalhamos com o objetivo de termos o suficiente para repartir com o que nada tem. Dar lugar ao diabo nada mais é cometer o sacrilégio de permitir sua intromissão em nossas relações. 


Que seja o propósito de nosso coração que, “libertados da mão de nossos inimigos”, sirvamos a Deus sem temor, “em santidade e justiça perante ele, todos os dias da nossa vida” (Lc.1:75). Que o inimigo de nossas almas jamais encontre espaço para profanar a santidade de nossa existência. Que deixemos de enxergar a vida sob a ótica do diabo (etimologicamente, aquele que divide, que compartimentaliza, que segrega), e passemos a enxergá-la da ótica divina, integrada, inteira, santa e repleta de sentido. 

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