Já me converti algumas vezes em minha peregrinação cristã. Fui católico nominal e me torneipresbiteriano-reformado-calvinista. Depois, migrei para o pentecostalismo e ganhei o título deassembleiano-clássico. No calor da minha pentecostalização, saltei de uma relação despretensiosa com os milagres para uma prática sedenta por intervenções sobrenaturais. Fascinado com o mistério tremendo, saí das orações formais e litúrgicas para agonizar de joelhos. Eu implorava para que Deus resolvesse de maneira sobrenatural os problemas agudos da vida, meus e dos que me rodeavam.
Na maturidade, outras mudanças aconteceram com fases distintas. Abandonei projetos grandiosos - billygrahaminianos - de impactar o mundo. Me descolei das ideias essencialistas sobre a igreja verdadeira – essa comunidade só existe na concepção de certos teólogos quando se referem ao corpo místico de Cristo. Me desiludi com as afirmações absolutas da teologia sistemática. Já não tenho paciência para ler, dialogar ou debater com quem pretende catalogar exaustivamente o que se deve conhecer sobre Deus e sobre o mundo vindouro. Me desencantei com a espiritualidade que engrena a vida numa lógica de causa e efeito. Fujo dos apologetas beligerantes como a gazela, do tigre. Não tolero fiscais da reta doutrina.
Alguns amigos, inquietos com a minha nova trajetória, questionam se não há retorno. Eles indagam se estou mesmo decidido a permanecer no processo de repensar a fé. Devido as marretadas que já levei, os companheiros que perdi e as censuras que sofri, confesso: fui tentado, sim, a reconsiderar o que escrevo e falo. Por vezes pensei se valia a pena. Nenhum exílio é agradável. Mas, como voltar atrás? Como retroceder se os novos conteúdos me encantam? Melhor viver o desterro que dormir com a sensação de ter cedido em um retrocesso covarde. Tudo o que me entusiasma pede para ser aprofundado, alongado e problematizado – jamais esvaziado.
Se recuasse, eu precisaria negar a mais linda revelação do evangelho: o esvaziamento de Deus na encarnação. Jamais poderia pregar que amor é o atributo distintivo do Deus revelado em Cristo, e não a onipotência.
Se recuasse, eu precisaria voltar a pregar que as narrativas bíblicas de milagre são jornalísticas e que tais maravilhas só servem para convencer os incrédulos de que Deus é poderoso. Eu perderia a grandeza da verdade mítica contida nos relatos. Voltaria à sofreguidão de tentar emular prodígios. Deixaria de lado a sutileza da revelação nas entrelinhas de tudo o que é contado com hipérbole.
Se recuasse, eu precisaria insistir que a condição sub-humana das crianças que sobrevivem com as sobras dos lixões faz parte de um plano traçado por Deus antes da criação do mundo. Não consigo me imaginar falando: Deus decidiu que esses meninos e meninas viveriam assim. Os porquês dele ter traçado a sorte dessas crianças – a providência – só conheceremos na eternidade.
Se recuasse, eu precisaria pregar que Deus controla tudo. Acreditar que ele está no controle, significa para mim aceitar que Deus micro-gerencia os atos do estuprador que matou a adolescente, os fornos de Auschwitz, as machadadas que dizimaram Ruanda e a estupidez de Pol Pot no Camboja.
Se recuasse, eu precisaria escrever revistas de escola dominical para provar que as crianças são perversas e mentirosas por natureza. Eu teria que conviver com uma teologia que as trata como víboras em gestação. Eu teria que voltar a desenvolver cruzadas pela salvação das crianças. Elas teriam de se arrepender o quanto antes para não terminarem prematuramente no inferno.
Se recuasse, eu precisaria ensinar que sem o credo confessional dos evangélicos, bilhões arderão no lago de enxofre. Eu teria que afirmar que Deus se sentirá feliz e vingado ao ouvir o choro e o ranger de dentes dos condenados por toda a eternidade.
Como não consigo recuar, resta prosseguir. Busco uma teologia que leve a sério a afirmação de Jesus para Felipe no evangelho de João: Quem vê a mim vê o Pai. Procuro entender o divino através do filho de Maria. Como nunca ninguém viu a Deus, temos apenas a vida, as palavras e a morte de Jesus para intuirmos sobre a divindade. Acredito que a epístola aos Hebreus pode fornecer alguma baliza na elaboração de uma teologia cristológica: Havendo Deus falado de diversas formas em tempos passados através dos profetas, nesses últimos dias tem nos falado através de seu filho, Jesus. Nele habitou corporalmente a plenitude de Deus.
Pretendo experimentar novas conversões e, de passo em passo, alargar o pouco que sei. Quero que as minhas estreitas convicções façam sentido frente a afirmação joanina de que Deus é amor. Como a compreensão do amor de Deus transcende a soma das galáxias, antecipo muitas transformações pela frente.
Soli Deo Gloria
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