Ricardo Gondim, no seu site
Meus ódios são passageiros, meu amores, claudicantes e meus desprezos, perenes. Nunca tive medo de odiar. Quando enfureço, sou inofensivo. No máximo, sussurro palavrões secretos. Meu maior pavor é desprezar. Pelo simples fato de ter-me graduado em esquecer. Hoje sou um ás em mutilar. Sei produzir amnésia. Treinei, treinei para ganhar faixa preta em olvidar. Sou culpado de homicídios – todos emocionais. Frio, posso esquartejar e jogar fora os pedaços de quem eu quiser. Calculista, assassino. Meu punhal se chama desdém.
Amo com dificuldade, mas esqueço sem esforço. Viro as costas e pronto, acabou. Apago o contorno dos olhos da pessoa. Anulo seus cheiros. Rasgo todos os registros de memória. Raspo o que estava grudado na minha pele feito tatuagem. Jogo numa lixeira virtual todos aqueles que me feriram.
Nunca tramo vingança. Não há necessidade. Para quê se já me tornei hábil em diluir no ácido do pouco-caso todos os que me feriram?
Não, nenhuma dessas afirmações merece louvor. Reconheço, peco contra mim mesmo. Ao desprezar, me mutilo. Acabo com a possibilidade do perdão. Lacro a porta da misericórdia.
Admito sem glória: careço da nobreza dos mansos. Não consigo, porém, exumar pessoas que me golpearam e que soterrei. Tenho medo. Ressuscitar quem me magoou pode virar um fantasma, a assombrar-me por décadas. Arrancar da alma eventos e pessoas, admito, aleija. Não gosto da indiferença.
Sou melindroso; igual à folhinha que se encolhe no toque sutil. Internalizo frases, gestos, atitudes. Chego a invejar quem tira de letra deserções. (Sim, mereço o divã da psicanálise). Crio casca. Para sobreviver a um baque, revisto o coração de insensibilidade. Imagino o tempo como gaze que enxuga lágrimas. Semelhante ao homem parcialmente curado por Jesus, que confundia pessoas com árvores, meu estado emocional é o pior possível. Ele enxergava parcialmente. O que sinto é uma inquietação parcial, estagnada entre o desprezo e o ódio.
Reconheço a enormidade do problema. Nessa latência, vou me tornando um granito. A cada deserção, acumulo nova camada geológica. Em cada decepção, me fecho na torre do Quasímodo. A cada traição, fico mais parecido com Dantès, o Conde de Monte Cristo. A cada, ano admiro mais Dom Casmurro.
Entre todos os aprendizados, reconheço: preciso matricular-me no liceu da amabilidade. Prometo a cada último dia do ano: hei de acolher quem joga pedra, compreender quem é torto de inveja e caminhar duas milhas com quem conspira para me destruir. Fracasso sempre. Por enquanto, só consigo oferecer indiferença.
Apaixonei-me pela estrada percorrida por Jesus de Nazaré. Ele venceu o ódio sem punhal. Desarmado e munido apenas da bondade, atropelou o mal. Sem contar com exército de nenhuma espécie, transformou a ternura numa força admirável.
Eu, porém, não passo de luz que esmorece na aragem leve. Basta um sopro de perfídia e já me apago. Cubro-me de indiferença. Preciso afastar-me do que Brás Cubas, de Machado de Assis, chamou de pior filosofia: “o choromingas que se deita à margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas”. Talvez seja importante não permitir que minha desafeição vire choromingo. Por enquanto, resta, sem mesura, acolher o surrado provérbio: “se lhe derem limões, faça uma limonada”. Vamos ver se consigo.
Soli Deo Gloria
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