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terça-feira, 13 de novembro de 2012

Tirem Deus do dinheiro



publicado originalmente na Época
O Ministério Público Federal pede que a expressão “Deus seja louvado” seja retirada das notas de real para garantir a liberdade religiosa. A frase deve ou não sair das notas de real ou a discussão é inútil? Os fundamentalistas cristão andam protestando em todo o país, exigindo que Deus continue representado nas cédulas. Os politeístas, ateus e crentes em outras seitas, além dos juristas e partidários da mentalidade politicamente correta, querem a extinção imediata e sumária da frase, em nome da garantia da liberdade religiosa em Estado laico.   
Misturar Deus e dinheiro é uma barbaridade. Não importa o seu vínculo político, religioso e ideológico: Deus, caso você creia nele, não precisa ser evocado por intermédio da manifestação mais concreta do materialismo, uma cédula monetária. Além de a expressão representar uma intromissão religiosa no âmbito do Estado, ela é uma espécie de marca de atraso e de péssimo gosto. É uma questão ética e estética, além de política. A expressão me faz lembrar aquelas igrejas que pregam valores cristão e, ao mesmo tempo, sem o mínimo decoro, convertem Deus em moeda de troca – ordenando em altos brados, durante os cultos, que os fiéis doem seu dízimo à causa.  
Eu confesso que nunca tinha notado a frase nas cédulas. Fui lê-la agora, em uma cédula de R$ 10. É repugnante. A inscrição ao lado da efígie da República me parece ainda mais tola que os símbolos maçônicos da cédula de um dólar americano – que trazem a pirâmide e o olho do Grande Arquiteto do Universo. Os americanos pelo menos têm a justificativa de que a maçonaria ajudou a libertar os Estados Unidos do domínio britânico em 1776. É tradição. Em 1956, a nota de dólar ainda incluiu a frase “In God we trust” (Nós confiamos em Deus). O resultado é que, desde então, a inscrição tem provocado discussões, processos e paródias (há quem brinque e afirme que a expressão real é “In Gold we trust”, No Ouro confiamos). Foi até mesmo tema da campanha do candidato republicano Mitt Romney, que disse que garantiria a manutenção da frase, caso ele fosse eleito.
No caso brasileiro, apesar de o país ter sido fundado sob a cruz do catolicismo, não há outras motivações para estampar nas notas a pregação monoteísta. Um estado laico obviamente não pode exprimir credo religioso, mesmo que seja numa discreta inserção em cédulas de dinheiro. E não há nem mesmo a tradição para evocar. O responsável pela inclusão do critpocatecismo foi o presidente José Sarney. Em 1986, ele ordenou por decreto que o Banco Central imprimisse a expressão nas notas da nova moeda, o cruzado, que substituía o cruzeiro. As primeiras cédulas com a frase
começaram a circular em fevereiro de 1986 – momento em que a moeda nacional estava sofrendo uma hiperdesvalorização. O cruzado acabou e a frase migrou primeiro para o cruzeiro restaurado (de 1993 a 1994) e depois para o real, a partir de 1994. Será que, em 27 anos de circulação, as notas conseguiram converter alguém? Duvido. Dinheiro serve para ser trocado, não para emitir mensagens de fé. Se qualquer forma, Sarney reclamou que excluir a frase das cédulas é "perda de tempo". Então, porque a incluiu?
Uma sociedade baseada na tolerância, na diversidade e na democracia não é compatível com qualquer tipo de pregação (nunca pensei que fosse entrar nesse blablablá de juristas). Imagino o que os cristão sentiriam caso o Banco Central passasse a estampar no dinheiro frases como “Em Deus não cremos” ou “Oxóssi reina de Norte a Sul”. É mais honesto deixar as notas sem inscrição alguma. Será perfeito arrancar Deus do dinheiro. Um problema é o custo da operação. Essas coisas dão medo no Brasil. Vale a pena o Banco Central gastar dinheiro e esforço por um detalhe? A solução poderá ser, caso o Ministério Público vença, o BC emitir cédulas novas e, aos poucos, retirar de cena a oração que um dia José Sarney talvez tenha achado que salvaria o cruzado da inflação.

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