Por Hermes C. Fernandes, no seu blog
Davi estava rindo à toa. Mical voltou pra casa. Sua alegria parecia completa, até que, ao fazer um novo inventário, percebeu que ainda faltava algo em Jerusalém: a Arca da Aliança.
Muito mais do que uma mobília forrada de ouro, a Arca representava a própria presença de Deus entre o Seu povo. Sua restituição a Jerusalém significaria a restauração do orgulho nacional.
Para Davi, recuperá-la das mãos dos filisteus e trazê-la de volta ao seu povo era mais importante do que anexar novos territórios a Israel.
Finalmente, chegou o dia. A Arca era trazida em cortejo festivo, enquanto Davi vinha à frente dançando e saltando, completamente despudorado.
Ninguém resistiu ao apelo festivo. Toda a população saiu às ruas para celebrar. Exceto... Mical! Davi estava tão envolvido que não percebeu a ausência de sua amada.
Do alto de sua torre, debruçada na mesma janela de onde teria dado fuga a Davi quando seu pai intentava matá-lo, Mical assistia ao espetáculo. A janela era seu camarote. Como membro da família real, ela não queria misturar-se com aquela gentalha. Além de esposa do rei, Mical era filha de Saul, o primeiro monarca de Israel.
Até aí, tudo bem. Ninguém era obrigado a juntar-se ao povo para celebrar a chegada da Arca. Porém, além de manter-se distante, Mical começou a desprezar a Davi.
- Onde já se viu? Aquilo não é papel de rei! Ele não tem compostura! Fica se exibindo para suas servas... Rei de verdade era meu pai. Aquele sim, sabia como um rei deve se portar diante do seu povo.
Lá embaixo, Davi seguia pulando e bailando, sem ter a menor ideia da censura que sofria.
Enquanto o criticava, Mical se esqueceu do preço que Davi pagara por seu dote (200 prepúcios de filisteus!). A única coisa que lhe interessava era o fato de seu marido estar com sua genitália à mostra na frente de suas servas.
Mical poderia imaginar que o fato de haver salvado Davi das mãos de seu pai, conferia-lhe o direito de criticá-lo e julgá-lo.
Muitas pessoas respaldam suas ações numa espécie de contabilidade, onde cada boa ação lhes dá o direito de cobrar da parte beneficiada. São motivadas sempre por interesses escusos. Quando agem como benfeitores, na verdade, estão agindo como credores.
Será que o fato de um dia haver ajudado a Davi, ou mesmo o fato de seu dote ter custado tão caro, davam-lhe o direito de desprezar e criticar seu marido?
A janela era ao mesmo tempo, o cenário e a testemunha do que ela havia feito por Davi. A mesma janela usada para ajudar, agora era usada para criticar e emitir juízo.
Ao fim da festa, "voltando Davi para abençoar a sua casa, Mical, filha de Saul, saiu a encontrar-se com ele, e lhe disse: Quão honrado foi o rei de Israel, descobrindo-se hoje aos olhos das servas de seus servos, como sem pejo se descobre um vadio qualquer" (2 Sm.6:20).
- Que vergonha! Não venha pro meu lado! Não me toque! Vai dormir no sofá! rs
O preço pago por Mical por esta conduta repleta de ciúme e juízo foi mais caro que o preço pago por Davi por seu dote.
A resposta dada por Davi deveria servir-nos como um guia de conduta ante as críticas que recebemos:
- Pois fique sabendo, dona Mical, que se depender de mim, vou me humilhar e me rebaixar ainda mais diante do meu Deus. Em momento algum minha intenção era exibir-me. Era para o meu Deus que eu dançava e me alegrava. E enquanto você me despreza, minhas servas me honrarão.
Ficamos muito preocupados com o que os outros dirão, e por conta disso, privamo-nos do prazer de servir a Deus com alegria. Por que darmos ouvidos à quem concebe a vida como um picadeiro, em que nossa preocupação deve ser causar boa impressão ao público?
Deixe que falem... Nada temos a provar a ninguém. Sejamos autênticos. Nada de falsos escrúpulos. Nada de querer ficar bem na fita.
Este episódio se encerra com a seguinte sentença: "E Mical, filha de Saul, não teve filhos, até o dia da sua morte" (v.23).
Tal qual Mical, muitos fazem o bem a espera do momento certo para cobrar. Outros se acham no direito de nos criticar e censurar, por um dia nos ter favorecido. Por conta disto, muitos têm se tornado espiritualmente estéreis, infrutíferos.
Vai por mim... não vale a pena.
Saiamos da janela em direção às avenidas. Deixemos nossa torre, e juntemo-nos àqueles que festejam o que Deus está fazendo para além dos nossos muros.