imagem: Internet |
As mentiras, ao contrário do que se apregoa, não são todas iguais. Existe mentira de todo tipo: inescrupulosa, malvada, perniciosa, pecaminosa, ingênua. Não se deve esquecer as inofensivas e até as nobres.
O que dizer das mentirinhas amorosas? Aquelas que nascem de lábios apaixonados? Quando o namorado sussurra, seu chamego se colore de um encarnado libidinoso. Em nome do amor, toda e qualquer frase tem força de transformar-se em uma declaração arrebatadora. Esses arroubos não seriam mentira?
Não há como condenar um pai, que mesmo ansioso por descanso, finja disposto a brincar com os filhos. Quem acusa a mãe que lê uma historinha e faz de conta que acreditou nas fadas?
As mentiras que nascem do zêlo também não merecem desprezo. Se ela pergunta: Engordei? Homem nenhum pode responder com absoluta honestidade. Um lânguido nem tanto é o máximo que deve ousar. Verdade é virtude que não sobrevive sozinha. Toda verdade tem de vir precedida pela graça. Os absolutamente sinceros são na maioria das vezes intoleráveis. Toda sinceridade carece da graça porque nela o amor se sobrepõe à retidão. Quem ama não teme ser rotulado como inconstante. Misericórdia encobre. O intuito de proteger patrocina um tipo de mentira: a incoerência. Há um provérbio bíblico, inclusive, que não condena esse jeito de encobrir os fatos: O ódio espalha dissensão, mas o amor esconde os pecados (10.12).
Quem se oporia a certas mentiras médicas? Quem não se valeu delas? Ainda não vai ser desta vez afirma o mais criterioso médico diante do paciente com um diagnóstico terminal. No corredor do hospital, os parentes combinam entre si ao saberem do veredito: Vamos entrar no quarto, mas nada de choro; temos que manter uma atitude otimista para não abatê-lo mais. Todos disfarçam e a mentira alivia o ambiente. Os sorrisos ensaiados e as conversas amenas não passam de eufemismo. Pura hipocrisia. Uma farsa caridosa, todavia.
Que tal as mentiras poéticas? Os poetas mais exímios mentem. Transformam sentimentos banais em amor inflamado. Realçam a força dos substantivos com adjetivos precisos. Valem-se das hipérboles para descrever as paixões. Inflamam os romances com floreios insinuantes. A poesia tem força de transformar o rei amante em escravo e a donzela amada em rainha. Fernando Pessoa foi feliz ao constatar: Todo poeta é um fingidor. Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente. O poeta nem sempre se dá conta de que sua malicia enriquece a vida.
Lógico, impossível defender o dolo, a injúria, a impostura. Certamente o mentiroso não tem lugar na roda dos justos. Tanto o farsante, como o hipócrita e o maldoso que gagueja merecem o fim dos ímpios. Contudo, não há como negar: a humanidade não sobreviveria sem o recurso da mentira.
Menos farisaísmo, por favor!
Soli Deo Gloria
Nenhum comentário:
Postar um comentário