do site de Riardo Gondim
Quando eu era
menino, mamãe me aconselhava a tomar cuidado com os meus amigos. Depois,
quando cresci mais, papai repetiu o surrado provérbio: “Dize-me com
quem andas e te direi quem és”. Passados vários anos e com tanta água
sob pontes e viadutos, não consigo avaliar se consegui obedecê-los.
Sinto, porém, que preciso achar novos amigos.
Cheguei à meia idade bem
decepcionado com a palavra Amizade. Esfolei os joelhos nos desdéns,
aprofundei as ranhuras da cara com decepções e perdi tufos de cabelo com
traições. Mas mesmo assim, reluto; não posso tornar-me cético, sei que
devo manter-me próximo de amigos verdadeiros - Isso não é fácil!
Faz pouco tempo, devido à
internet, encontrei um colega (já não posso chamar-lhe de amigo) -
estranho, eu o considerava um "irmãozão". Havíamos perdido o contato há
alguns anos. Redigi e mandei-lhe uma mensagem cheia de afeto e saudade.
Na verdade, eu estava carente, necessitado de vínculos leais. Tal como
um doente que aperta a campainha da UTI, desesperado pelo socorro do
médico, eu clamava por sua atenção. Arrazado, amarguei uma resposta
horrível. Ele candidamente agradeceu a “carta eletrônica” e não hesitou
em propor que, daquele dia em diante, compartilhássemos esboços de
sermão. Quase chorei. A última coisa que eu precisava era um “esqueleto”
de pregação.
Entretanto, mesmo amealhando decepções, insisto em garimpar amigos.
Entretanto, mesmo amealhando decepções, insisto em garimpar amigos.
Quero ser amigo de quem valoriza a lealdade.
Quando papai esteve preso, o estigma de subversivo grudou nele. Um
dia, ele me contou com lágrimas nos olhos que vários ex-colegas da
Aeronáutica desciam a calçada para não se verem obrigados
a cumprimentá-lo. Guardo esse trauma e, sinceramente, não consigo lidar
com amizades de conveniência.
Preciso acreditar em amizades que
não se intimidam com censuras, que não retrocedem diante do perigo e que
não abandonam na hora do apedrejamento. Amigos não desertam.
Quero ser amigo de quem eu não
deva me proteger, mas que também não se sinta acuado e com medo de mim.
Não creio em companheirismo lotado de suspeita. Grandes amigos são
vulneráveis; conversam sem cautela; sentem-se livres para rasgar a alma e
sabem que confidências e segredos nunca serão jogados no ventilador da
indiscrição. Amigos preferem proteger os amigos a defender normas,
estatutos e leis.
Quero ser amigo de quem não se
melindra com facilidade. Eu me conheço, sei que piso em
calos. Agrido com meus silêncios. Uso a introspecção para
tecer comentários ácidos e impensados. Às vezes quanto mais tento, mais
me mostro tosco. Vou precisar de amigos que tolerem as minhas
heresias, hesitações e pecados. Dependo de que suportem o baque de
minhas inadequações, e que sejam teimosos em me querer bem.
Quero ser amigo, não
simples parceiro de vocação. Já preguei em igrejas em que o pastor,
depois da programação, se despediu de mim na calçada do aeroporto e
nunca mais tive notícias dele ou da igreja. Não vou colocar o meu nome
em conferências ou congressos que só me querem para
divulgação. Recuso-me a reforçar eventos que engradecem pessoas ou
instituições, mas não criam vínculos de carinho ou de cuidado.
Já não
aguento abraços coreografados. Manifestações artificiais de coleguismo,
me enfadam. Tornou-se ridículo para mim testemunhar pessoas
dizendo "somos uma só família em Cristo" e depois vê-las alfinetando os
"irmãos" com comentários venenosos.
Amizades certinhas, alimentadas por
pieguismo e textos re-encaminhados de power-point, já não dizem muita
coisa. Quanta preguiça e descuido jazem nas entrelinhas
dos cartões de aniversário com frases prontas. Verdadeiros amigos sabem
que seus sentimentos são preciosos e como é valioso compartilhá-los.
Amizades superficiais são mais danosas do que inimizades explícitas.
Quero ser amigo de quem não
tem necessidade de parecer certinho. Não tolero conviver com quem
nunca tropeça nos próprios cadarços ou que jamais admitiu ter sonhos
eróticos. Ando cauteloso com quem se arvora de ter a língua sob controle
absoluto.Vez por outra preciso relaxar, rir do passado, sonhar
maluquices para o futuro e conversar trivialidades.
Necessito de amigos que se deliciam
em ouvir a mesma música duas vezes para perceber as sutilezas da
poesia. Como é bom encontrar um velho camarada e comentar aquele filme
que a gente acabou de assistir. Adoro partilhar pedaços do último livro
que li. Vale contar com amigos que numa mesma conversa, elogiam
ou espinafram políticos, pastores, atores, árbitros de futebol. Não
existe preço para riso ou lágrima que vem da poesia.
Quero terminar os dias e poder
afirmar que, mesmo desacreditado das ideologias, dos sistemas econômicos
e das instituições religiosas, jamais negligenciei a minha melhor
fortuna: meus bons e velhos amigos. Contudo, ainda desejo encontrar mais
amigos.
Soli Deo Gloria.
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