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segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Os evangélicos têm que defender os viados

James Martins no Bahia Notícias


Antes vou explicar por que escolhi a palavra ‘viado’ em vez de outras politicamente corretas ou mesmo cientificizantes. Simples: é assim que falo. Melhor ainda, para resumir esta digressão que surge já na intro do artigo, faço minhas as palavras do José Miguel Wisnik em um artigo publicado na Folha e que o Carlos Rennó me mandou por email: “Vou apresentar aqui um esquema em que farei livre e amplo uso da palavra ‘veado’, mais viva do que seus correlatos genéricos, como os de homossexual ou homoafetivo. Não acredito em palavras politicamente corretas ou incorretas quando elas dependem, na sua significação, do gesto, da voz, da intenção, do recado de quem está falando”. Assino embaixo. Uma ressalva, prefiro grafar ‘viado’ mesmo, com ‘i’, que me parece mais fiel à fonética e tira o contexto de caça (cervo, bambi) do vocábulo. E agora, finalmente, vamos ao assunto. Sim, por mais estranho que pareça, acredito que os evangélicos de verdade têm obrigação de defender a união civil entre homossexuais, aprovada recentemente pelo Superior Tribunal Federal, mas, segundo pesquisa, reprovada por 55% da população nacional. A mesma pesquisa revelou também que a religião é o que mais influencia a decisão do cidadão: enquanto entre espíritas e adeptos de outras religiões não-cristãs o apoio ao casamento gay chega a 60%, os evangélicos o reprovam massivamente: 77% são contra. Eis o que eu quero dizer: os cidadãos e parlamentares que professam a fé cristã e são adeptos das igrejas protestantes, os cada vez mais numerosos evangélicos, devem, em nome de Deus e da razão, defender o direito dos viados casarem no civil. O contrário é a apologia à guerra e ao diabo.

Sim, posso me explicar. Eu, por exemplo, não sou viado. Como também não fumo maconha e nem sou mulher e nem deficiente físico. Preto sou, mas, na verdade, olhando bem, só chego perto (na África eu seria discriminado por ser filho de mula). Mesmo assim, quando defendo o casamento gay ou a legalização do uso da maconha ou ainda que as mulheres tenham direitos e oportunidades iguais aos homens estou, evidentemente, legislando em causa própria. Ora, uma sociedade e um Estado que impedem que um indivíduo faça uso livre do próprio corpo, ainda que, topicamente, esse indivíduo não seja eu, me agride do mesmo modo que se eu fosse ele. Cria-se um estado de coisas que, por tabela, me afeta profundamente. É o princípio básico de comunidade e é o apelo da razão. A razão é o ponto de vista que, sem tomar o partido de nenhum ponto de vista particular, abrange a todos eles e os iguala, evitando a guerra - santa ou não. A razão é o que me concede, mesmo sendo homem, verificar que não há impedimentos, digamos, razoáveis (legisláveis), para que uma mulher não possa casar várias vezes, ou vez nenhuma, ou trabalhar na construção civil ou jogar bola. O homem lúcido, o cidadão íntegro, não é o que defende um grupo ou outro, mas o que defende os princípios que julga verdadeiros. Isso é a razão. Por isso, os evangélicos, altamente comprometidos com a verdade (“a verdade vos libertará”), têm o dever de lutar pelo direito de os gays, no plano civil, no Estado laico, se casarem livremente. Essa defesa não acarretaria prejuízo nenhum à fé cristã, muito pelo contrário, apenas reforçaria o seu compromisso com a verdade. E a verdade, nesse caso, é que todos precisamos concordar que o Estado não pode assumir premissas religiosas, porque as religiões são muitas e o mundo é um só. O Brasil também.



O Estado que toma o lado de um argumento religioso está, automaticamente, contra todos os outros. Isso é a guerra. O próprio fato de os evangélicos poderem professar livremente a sua fé, num país tradicionalmente católico, é um benefício da razão. Eles precisam zelar por esse direito, ser coerentes com ele. E essa coerência exige (vejam bem, exige!) a defesa do direito de que adeptos de outras religiões também possam professá-las livremente. Não é lógico? É. E essa mesma lógica coloca a obrigação de se defender também o direito de os viados oficializarem suas relações amorosas no civil, onde todas as orientações sexuais são livres. De resto, os evangélicos têm todo o direito de continuarem acreditando que a homossexualidade é uma prática torpe inspirada pelo Satanás. A lógica vale também para os viados, que devem defender o direito de os pastores, em suas pregações, afirmarem que a homossexualidade é resultado da possessão demoníaca. Uma frase lapidar (e manjada) sobre isso é aquela, atribuída a Voltaire: “Discordo do que dizes, mas defenderei até a morte o seu direito de o dizeres”. Assim, os parlamentares evangélicos deveriam votar unanimemente a favor do casamento gay, em benefício próprio. Se isso aqui fosse um xadrez, eu teria feito um xeque-mate, mas, ai de mim, o mundo anda tão complicado. Senão vejamos, o que impediria um viado de casar com outro? Nos tempos de Oscar Wilde a homossexualidade era crime e o escritor foi preso por isso, em 6 de abril de 1895, na Inglaterra. E hoje em dia, aqui no Brasil, se um cara for pego dando a bunda, ele pode ser preso? Não. Se um gay for flagrado numa blitz dirigindo sem habilitação, as sanções da lei serão as mesmas que para um hétero? Sim. Então, se as leis do Brasil concordam (e aceitam) que o viado existe e deve participar de todas as obrigações civis, porque não poderia gozar de todos os benefícios, como o direito ao casamento? Porque é pecado? Da mesma forma, a embriaguez é pecado segundo o ponto de vista das doutrinas neo-pentecostais. Mas, nenhuma igreja postula o absurdo de uma lei proibindo a abertura de bares. E nem para acabar o Carnaval, imagine!

O casamento gay não vai destruir as famílias. As famílias já estão se destruindo e se reconstruindo sozinhas. E, afinal, os gays são da família. Outros, como o deputado federal Jair Bolsonaro (PP), que ficou famoso por suas declarações radicais contra os direitos dos homossexuais, chega a argumentar o absurdo de que, com a aprovação do STF, as crianças serão arrastadas para a prática de atos homossexuais. “Não vou deixá-lo nessas companhias [de gays ou filhos de gays] porque o futuro do meu filho também será homossexual” disse ele. É um argumento imbecil e sem nenhuma sustentação empírica. Há quem diga também que os viados são promíscuos. E eu lhes pergunto: mas quem não é? Na verdade conheço viados e machões que não são, e isso não me parece ligado à orientação sexual, mas a princípios éticos independentes de classe, cor, credo, etc. O que há, de fato, são famílias que não aceitam a homossexualidade de um membro, muita vez expulsam-no de casa e depois abocanham o patrimônio que ele construiu com seu companheiro. Isso, sim, é um crime. E, ainda que essa possibilidade seja descartada, para muita gente a oficialização da relação afetiva é importante. O charme do casamento, etc. etc. Dizem que na Constituição Federal o casamento é discriminado como uma coisa que se dá entre um homem e uma mulher. Se assim é, a Constituição precisa mudar para acompanhar a vida. Seguindo o exemplo de Jesus que disse que a Lei não pode ser estática, mas tem que evoluir com o homem. Assino embaixo. Os evangélicos também assinam. E, por isso mesmo, devem, ainda que acreditando e pregando que os efeminados e as sapatonas vão para o inferno, defender o seu direito de amar e de casar. Afinal, cada um vai para onde quiser, graças a deus.

/// É justo, justíssimo

Um comentário:

  1. A melhor grafia é "veado" e tem a ver com o animal.
    Tudo começou na Praça Tiradentes (Rio de Janeiro) que era muito frequentada por homossexuais que ali se prostituiam. Volta e meia a polícia aparecia para estabelecer a ordem.
    Uma dia, na delegacia, um policial perguntou a outro policial que chegava quandos homossexuais ele tinha conseguido prender. E o policial respondeu que nenhum, porque eles corriam como... veados!
    Desse dia em diante, os policiais passaram a dizer que tinham capturado um veado, dois veados etc. toda a vez que conseguiam pegar algum homossexual. "Veado", então, acabou se torando sinônimo de "homossexual".

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