Bráulia Ribeiro
Estava lendo a VEJA outro dia e descobri que existem fábricas de 
confecção especializadas em roupas evangélicas. A revista mostrava 
várias fotos de uma modelo elegante vestida de evangélica. As roupas até
 que nem eram feias, nem a reportagem claramente pejorativa. Parecia uma
 matéria factual, sem tendências, que se atinha a mostrar este setor 
especializado como a descoberta de um novo nicho de mercado…
Uma coisa destas numa revista de circulação nacional deve nos fazer 
parar para pensar. Resta saber que ferramentas mentais vou usar para 
pensar. Afinal de contas, pensar não é fácil e definitivamente temos 
aprender como. Posso pensar com minha mente carnal, com minha crente 
brasileira, com mente cristã, e mais umas tantas outras, mas vamos 
focalizar nestas três no momento.
A mente carnal gosta de sucesso, fama, projeção… “-Puxa que bom, estamos
 na VEJA, isto é sinal que dentro em pouco, quem sabe entraremos em 
grande estilo nas novelas da Globo, protagonizando romances do tipo dos 
que acontecem na vida real “evangélica”, fora ou dentro do casamento, 
não importa, desde que seja da vontade de Deus…” (nesta hora a mente 
carnal sabiamente substitui a vontade humana pela de Deus, mas tudo bem,
 já sabemos que ela é carnal mesmo, e sua especialidade é usar 
subterfúgios religiosos para nos enganar). Já estamos na Caras também, o
 que combina com a pregação de prosperidade que temos nas nossas 
igrejas, que benção dentro em breve conquistaremos todos os ricos e 
famosos do Brasil e nossa renda aumentará em muito..”. E por aí a mente 
carnal iria, neste território, se felicitando pelo feito, pensando em 
novos mercados para os crentes, água mole em pedra dura, tanto batemos 
com nosso estilo evangélico de ser, que finalmente conquistamos espaço…
A mente crente brasileira mais genérica se aproxima um pouco da carnal, 
infelizmente: “-Ah, bom, estamos na veja sinal de que a sociedade está 
nos respeitando, e olha só estamos “discipulando” o Brasil numa das 
coisas que ele mais precisa, na bandalheira são as roupas das mulheres, e
 com esta conquista de mercado, quem sabe conseguiremos tornar as 
brasileiras menos sensuais, abaixo a imoralidade, vamos orar contra, e 
fazer um culto de adoração, porque vestimos o bumbum do Brasil.” É, esta
 me parece ser a reflexão da mente crente mais comum mas pode ser que 
hajam algumas variações aqui e ali. Pode haver um grupo que vai se 
envergonhar, e neste grupo estão os crentes “modernos” que tem como 
prática cristã o não ter ética no vestir. Mas mostramos o tempo todo que
 queremos ganhar a moralidade na marra, pensamos que com “nãos-nãos, 
sai-sais, e quebra-quebras”, vamos mudar as pessoas. Pensamos em moral 
como algo externo, estabelecemos com mais facilidade o que é a prática 
cristã do que o que é a ética cristã.
Agora vem a dificuldade. Deveria colocar aqui o que pensaria o que considero ser a mente cristã ao ver aquela notícia na Veja. Mas para meu horror, e espero que te cause o mesmo horror que a mim, verifico que não é fácil pensar com uma mente cristã. Parece que tal coisa a mente puramente cristã, desprovida de religiosidade e vícios culturais, a mente não secularizada, não influenciada pela visão de mundo pós-moderna, não embotada por anos de religiosidade alienante, não existe… Tenho que concordar com o autor Harry Blamires[1] que escreveu um livro para dizer que no mundo atual não existe um pensamento cristão, ou uma mente cristã. Existe a ética cristã, a prática cristã, a espiritualidade cristã. Mas do pensamento cristão, nós crentes estamos longe. O pensamento cristão pensa tendo como referência a Bíblia e a revelação da pessoa de Deus sobre tudo o que existe. Para o pensamento verdadeiramente cristão, não há diferença entre secular e sagrado, religioso e profano. O pensamento cristão não deveria se ocupar apenas do que é religioso e diz respeito à igreja, porquê Deus não criou apenas a igreja, ele primeiramente criou o mundo inteiro.
Tudo o que nos rodeia deveria ser revisto pela ótica divina. Todas as 
idéias nos interessam as tendências, as sociedades, as sub-culturas. A 
mente cristã a todos ouve e não se fecha dogmaticamente diante de 
rótulos. Muitas vezes concebemos um Deus religioso olhando para este 
mundo, e colocando pessoas em caixas. Este Deus olha e vê uma mulher 
gritando. Ela foi oprimida por uma cultura machista e repressora, vítima
 de violência física e abusos de todo tipo. Seu grito que corta o ar é: -
 “Abaixo a violência contra a mulher!!” Deus olha, franze o cenho e diz:
 –“ Hum… ela é apenas mais uma feminista. Vá obedecer os homens, muié 
sem vergonha!!”
Na esquina tem outro grupo. Desta vez são sem-terra honestos, precisando
 de terra e de pão. Deus se lembra de ter ouvido este clamor antes, nas 
obras de Portinari dos homens com mãos grandes, no romance de Graciliano
 Ramos, quando a migração se dá no inverso, no lirismo da música do 
Chico Buarque:
“Zanza daquiZanza pra acolá
    Fim de feira, periferia afora
    A cidade não mora mais em mim
    Francisco, Serafim
    Vamos embora[2]
Mas Ele finge não saber de nada disto porque são coisas “do mundo” e 
rapidamente se recupera daquele momento de compaixão, lembrando-se de 
que é um religioso, o próprio Deus afinal de contas, e de que não deve 
se misturar com estas coisas de políticas humanas, afinal no que Lhe 
interessa são as almas e faz um muxoxo, dizendo com reprovação: 
“Marxistas…”
Depois, um pouco entediado consigo mesmo talvez, se volta para seus 
crentes e se põe a vigiar-lhes o comportamento para saber se vai 
recompensar-lhes ou não segundo as suas obras…
Felizmente esta é a visão que nós temos de Deus e não a visão que a 
Bíblia nos passa. O verdadeiro pensamento cristão integra o mundo e suas
 necessidades com a fé, entendendo o Deus que na Bíblia se importa sim 
com desigualdades sociais e faz leis e sanções á respeito, se importa 
com os oprimidos e miseráveis, se torna o Deus das viúvas e dos órfãos. 
Deus não tem medo de pensar porque ele não teme perder a fé em si mesmo,
 aliás ele chama os maiores pensadores do mundo para a argumentação. (A 
bíblia está cheia de “vinde e arrazoemo-nos, mas não traz nem uma vez 
uma afirmação do tipo: “-em comunicado especial Deus afirma que ele 
existe sim, e que não devemos duvidar de sua existência.”) Não nada 
disto, Deus não se preocupa em afirmar-se, apenas diz: – “o estúpido diz
 para si mesmo que eu não existo, e todos os homens são indesculpáveis 
porque os céus gritam para todo lado não só minha existência, mas minha 
glória…”
- Xiiii…. Peraí, vai com calma Deus não se mostre tanto assim, porque 
pensamos que conhecer sua existência é privilégio dos evangélicos…
Mas Deus parece nem notar que somos assim exclusivistas e vai se 
revelando a justos e injustos… Nem todos os seguem, é verdade, mas até 
bêbados, na verdade ex-bêbados como o João Ubaldo quando querem dar uma 
“brechadinha” nas verdades de sua revelação pessoal conseguem, afinal 
está tudo tão claro ali na Palavra… Quando escreveu o conto: “O Santo 
que não acreditava em Deus, João Ubaldo à moda do João da Bíblia 
entendeu que a essência de Deus é amor e não religião, e visualizou um 
Jesus se encarnando hoje, de repentinho, no sertão nordestino. E este 
Jesus se chama Salvador, e não se importa se as pessoas são religiosas 
ou não, mas ao andar vai conhecendo a cada um, revelando seus segredos 
para elas mesmas, amando os desamados e respeitando os desrespeitados, 
tudo isto porquê é com cordas de amor que Ele nos atrai e não com cordas
 de preconceito e religiosidade.
Nem o cinema ele discrimina e se revela nas mãos de diretores como 
Spielberg, falando contra o nazismo, o racismo, no rosto de atrizes como
 Fernanda Montenegro em Central do Brasil, encontrando o amor e a moral 
numa caminhada com um menino sem pai.
Deus é assim, um cara mais legal do que o que a gente pensa. E o 
pensamento cristão se existisse como Ele, Deus, existe olharia com 
surpresa para a tal roupa evangélica. Mas roupa evangélica? Diria a 
mente cristã: Cadê o amor evangélico, a redenção social evangélica, a 
transformação de valores evangélica? Mas a surpresa e o choque pela 
ausência de idéias tão essenciais não lhe impediria de continuar 
tentando nos ensinar a pensar.
Bibliografia
[1]“The Chrisitian Mind” – Henri Blamires (www.godlife.com)
[2]Assentamento, Chico Buarque, 1997

Nenhum comentário:
Postar um comentário