A
vida é como cavalo chucro. Não obedece prognósticos, não segue
vaticínios, não possui lógica. Quando se puxa à direita, segue em
frente, quando a rédeas cedem, acreditando-se que continuará adiante,
empaca num marasmo irritante. Desperdiçam-se enormes pedaços da
existência na busca de encabrestar esse potro selvagem. Controlar a vida
se torna um desafio estafante, um delírio de potência.
Ciência e tecnologia, com toda sua
soberba, imaginam trazer as variáveis da vida sob tutela. Infelizmente,
as admiráveis conquistas médicas, meteorológicas ou cibernéticas
permanecem longe, muito longe, de subjugar o tal potro.
O século XXI iniciou-se com uma
resignação global. As desilusões do século foram tantas que poucos ainda
sonham com a possibilidade de conseguir uma vida bem domesticada. As
ideologias políticas, outrora fortíssimas, capitularam diante do império
do mercado. Mesmo as autopropaladas democracias, mais do que nunca,
contratam marqueteiros para se viabilizarem. Candidatos a cargos
públicos nunca chiam quando, vendidos como sabonetes.
A inquietação persiste: como tornar o
futuro um pouco mais previsível? Resta a religião. Os templos lotados
atestam para a necessidade humana de antecipar-se aos acidentes, de
prever intempéries e de se proteger do contingente. Com o desencanto
pós-moderno, avivou-se a crença de que Deus protege quando contempla a
contrapartida humana de cumprir suas exigências. Sobejam marqueteiros
religiosos que repetem (nunca de graça): “Deus protegerá os filhos
debaixo de suas asas”. (Existem mesmo redomas de aço ao dispor dos
santos?). "Com Deus”, prometem os místicos, “mal nenhum acontecerá”.
Livretos religiosos repetem, ad nauseum, fórmulas de “fechar o
corpo”, “quebrar maldição”, “receber milagre”, “alcançar graça”. Os
jargões, decorados e esbravejados, tentam gerar uma fé que enjaula o
futuro selvagem.
Busca de milagre não passa de
esforço para tornar o dia a dia mais plácido, previsível, sem sacolejos e
sem surpresas desagradáveis. Acontece que essa mentalidade não encontra
eco na tradição judaico-cristã. Jesus jamais ensinou esse tipo de fé.
Ele se esforçou para mostrar aos discípulos que Deus se empenha em mudar
os conteúdo do coração. No universo conceitual de Cristo, o mundo está
repleto de lobos, sofre ameaças e perigos da natureza. Para Cristo,
viver é perigoso.
Fé tem a ver com a capacidade de lidar com pelo menos quatro facetas da existência: estações, emoções, decisões e relações.
Estações
compõem o fluxo da história em fases. Nelas, há períodos claros:
infância, adolescência, vida adulta, meia e terceira idades. Viver é ter
sabedoria de apreciar cada fase com sua beleza, limitações e desafios.
Emoções
descrevem os sentimentos quando se reage aos eventos. Emoções se
revezam em picos de euforia e vales de tristeza. Vive quem souber lidar
com essa gangorra, o sobe e desce emocional.
Decisões
representam o grau de liberdade que todos dispõem e que escancaram
novas avenidas para o amanhã, sempre inédito. A liberdade humana é
limitada. Não se escolhe sexo, cor da pele, hereditariedade e, sequer, o
lugar onde se nasce. Ninguém opta se vai ter quer beber água. Essa
liberdade não existe.
Existe, sim, a atitude do coração ao beber água. O
modo como se encara a contingência é determinante na qualidade da vida.
O segredo está na reação de cada um diante das vicissitudes ou prêmios
compõem o enredo da história de cada um.
Relações indicam que ninguém é uma ilha. Pessoas dependem de pessoas. Viver é relacionar-se. Vive quem sabe lidar com o semelhante, na paciência de aprender a amar e deixar-se amar.
Vida é alazão sempre arisco e indomável. Assim, só vive quem respeita as fases que o tempo escancara, quem lida com as flutuações emocionais, quem reconhece e aceita os desdobramentos das decisões, e quem se vê irmão na vasta família humana.
E que o potro esperneie. Venha o que vier, a vida não mete medo.
Soli Deo Gloria
/// Gondim, mesmo sendo desnecessário, permita-me apenas justificar e destacar seu texto. ;-)
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