Quando dona Cora Coralina, a nossa grande poetisa da vida cotidiana, 
sugeriu ao presidente da República, que instituísse “O Dia nacional do 
Vizinho”, em nenhum lugar, havia ainda esta iniciativa. Atualmente, 
existe o “Dia europeu da Vizinhança”, celebrado no final de maio. A 
Argentina festeja o seu “Dia de los vecinos” no 11 de junho. O Brasil 
consagra como Dia dos Vizinhos o 20 de agosto, data do aniversário 
natalício da inesquecível dona Cora. Esta valorização da vizinhança se 
torna mais importante, em cidades maiores, nas quais edifícios 
substituem casas. Ali, embora, frequentemente, as pessoas se encontrem 
no mesmo elevador, muitas vezes, não se conhecem. Não é o mero fato de 
morar no apartamento ou na casa ao lado, que torna alguém vizinho. A 
pessoa pode viver durante anos em um lugar, se queixando da agitação, do
 calor, da poeira ou da insegurança. Outros têm plena consciência destes
 problemas e lutam para vencê-los, mas, assim mesmo, casam com a rua ou 
praça onde moram. Quando pessoas da mesma rua ou do mesmo condomínio 
pressentem em outras, esta relação vital com o lugar em que moram, aí se
 fortalece uma proximidade de convivência que é a vizinhança. Para ser 
bem vivida, esta precisa de uma educação para o diálogo e a convivência 
entre diferentes. Cora Coralina dizia: “Vizinho é mais do que parente, 
porque é o primeiro a saber das coisas que acontecem na vida da gente”. 
Em tempos anteriores à televisão e aos shoppings, nas cidades do 
interior, ou em bairros residenciais, toda noite, as pessoas costumavam 
sentar à porta de casa, para conversar e conviver. Normalmente, a roda 
de conversa acabava se abrindo também aos vizinhos e vizinhas. Assim, se
 formavam verdadeiras rodas de discussão, com assuntos como educação de 
filhos, relacionamentos conjugais e futebol. Hoje, a televisão e a 
cultura do shopping substituíram estes ritos de convivência, mas não 
resolvem o problema da solidão dos mais velhos e da futilidade de quem 
olha o mundo apenas pela janela do consumo descartável. 
Há mais de 50 anos, o educador Paulo Freire propôs um método de 
alfabetização e educação de adultos que partia da vizinhança. Formava 
círculos de diálogo e cultura entre vizinhos. Ali, as pessoas aprendiam a
 expressar sua posição sobre a vida e os problemas que enfrentavam. 
Mesmo perseguido pela ditadura militar, este método de conscientização 
se espalhou pelo Brasil, por outros países da América Latina e até em 
Angola e Cabo Verde, na África. Na mesma linha, na segunda metade dos 
anos 60, em várias regiões do Brasil, homens e mulheres de fé cristã, 
começaram a se reunir como vizinhos, para orar, ouvir juntos um texto 
bíblico, conversar sobre problemas da vida e fortalecer a solidariedade 
mútua. Foi o começo das comunidades eclesiais de base. Mais tarde, 
várias Igrejas evangélicas organizaram grupos semelhantes, como “Igreja 
em células” e “Igreja em quadros”, comunidades de convivência e 
proximidade, instrumentos de comunhão entre as pessoas.
Há mil razões para se valorizar a prática da vizinhança. Quem crê em 
Deus como Luz e fonte de vida, o contempla, não como alguém exterior a 
nós e que de fora intervém neste mundo, mas como presença íntima e 
profunda, no coração de toda pessoa humana, especialmente de quem se 
abre ao amor, independentemente de sua pertença religiosa. Um teólogo 
evangélico dizia: “Deus está em mim para você e em você para mim. Eu o 
encontro em você e, se quiser, você pode encontrá-lo em mim”. Por isso, 
podemos olhar nossos vizinhos e vizinhas, como sinais da presença 
divina. Eles são humanos e têm seus defeitos e limitações, mas se os 
olharmos assim, pouco a pouco, se transformarão, principalmente se 
perceberem que, de fato, cremos: através deles e no mais íntimo de cada 
um/uma, Deus mora lá na nossa rua.
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