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"Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história." Bill Gates

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terça-feira, 23 de outubro de 2012

Coragem macunaímica

O batizado de Macunaíma, quadro de Tarsila do Amaral


Ricardo Gondim, no seu site

Coragem é uma virtude menos importante. Para ser intrépido ninguém precisa de caráter, basta atrevimento. Muitas vezes o corajoso, ao embarcar em alguma empreitada, necessita desvencilhar-se de certos escrúpulos. O arrojado abre mão da cautela. Na lógica do valente, quanto mais afoito, mais bem sucedido, pois coragem prescinde da prudência – daí os jovens se tornarem tão bons soldados e tão maus motoristas.
Outra característica dos audazes é a pressa. Arriscam-se porque não se dispõem ao longo processo de construir projetos passo a passo -acham melhor arriscar que trabalhar. Sérgio Buarque de Holanda afirmou que o processo de colonização, na verdade exploração, dos trópicos aconteceu pelo empenho do aventureiro e não do imigrante, que deseja construir um novo mundo: “Não se processou, em verdade, por um empreendimento metódico e racional, não emanou de uma vontade construtora e enérgica: fez-se antes com desleixo e certo abandono”.  Abandono, marca típica dos corajosos.
A raiz brasileira foi macunaímica – do herói sem caráter. Os puritanos não conseguiram inserir religião ou cultura, embora tenham tentado em Pernambuco e no Rio de Janeiro. Os tipos que desembarcaram no vasto litoral da ilha de Santa Cruz só enxergavam a generosa amplitude da terra, vulnerável ao desvirginamento (estupro). O Brasil se fez com poucos trabalhadores e com atrevidos aos montes. As incursões, que se diziam em nome do progresso nacional, tiveram protagonistas intrépidos – mas sempre restritos à ética da aventura. O Brasil engatinhou por séculos em esboçar  uma ética do trabalho. Tais personagens no Brasil colonial só atribuíram valor moral positivo às ações que sentiam ânimo de enfrentar. O atrevimento que alavancou a colônia, depois o império e mais tarde a república, prescindia do tipo trabalhador, que abraça a terra como sua. Eles ficavam mais próximos das qualidades do aventureiro, como detectou Buarque de Holanda:  “audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem – tudo, enfim, quanto se relacione com a concepção espaçosa do mundo, característica desse tipo”.
Essa ética do aventureiro fez o caminho inverso dos puritanos na Nova Inglaterra. Por aqui buscava-se a recompensa imediata com o esforço mínimo. Sérgio Buarque notou que nas raízes do Brasil, os protagonistas viam o trabalho árduo, que busca uma existência estável, justa, solidária, como vicioso e desprezível. O historiador chegou a dizer que “na obra da conquista e colonização dos novos mundos coube ao ‘trabalhador’, no sentido aqui compreendido, papel muito limitado, quase nulo… a época predispunha aos gestos e façanhas audaciosos, galardoando bem os homens de grandes vôos”.
“O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho”. Para ser Bandeirante ninguém precisava necessariamente ser decente. Valentia bastava. O projeto colonialista se resumia a violentar nações indígenas com o intuito único de arrancar delas e do solo o máximo de pedra preciosa, de ouro e de prata – e depois voltar para a “civilização” para usufruir, pelo resto da vida, os dividendos da empreitada.

Séculos depois, a situação perdura. Brasileiros continuam engatinhando na ética do trabalho, embora se mantenham arrojados quando vislumbram qualquer chance de riqueza. Disperdiça-se energia em descobrir um “jeitinho” para a prosperidade. O atalho para o sucesso ou o macete para não ter que trabalhar, seduz. Muita água já correu por baixo das pontes desde que retalharam o país em Capitanias Hereditárias. O mundo dos Bandeirantes enfronhados pelos sertões tropicais já não existe. Mas o país continua exposto a vigaristas parecidos com os de outrora. Nos quatro cantos do país sobram espertalhões ávidos em achar um novo filão de esmeraldas.
O meio religioso parece o mais fragilizado. Não faltam pregadores prometendo mundos e fundos. “Quem conseguir a sorte de ver-se apadrinhado pelo Todo Poderoso desfrutará o melhor dos mundos”. Então para que estudar ou trabalhar de sol a sol? Com uma oração forte Deus abre janelas e faz ricos – mais ricos que Salomão. Para que ter um currículo, montado tijolo por tijolo? Basta fé.
Talvez, como aconteceu com Israel no tempo do cativeiro da Babilônia, o Brasil só encontrará o seu caminho depois que bater no fundo do poço. Mas isso não seria bom. Uma enorme crise colocaria em risco o estado democrático e de direito. E nas grandes crises o chão se torna fértil para que surjam novos monstros: ditadores, torturadores, facínoras. Se faz parte do código genético cultural brasileiro querer levar vantagem em tudo, carecemos então de uma nova cultura. Resta continuar resistindo, denunciado e prendendo esses grandes corajosos que ainda povoam o nosso dia a dia – eles têm grande chance de serem corruptos, embusteiros e charlatões.
Soli Deo Gloria

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