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"Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história." Bill Gates

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segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Mãos de joalheiro




Ricardo Gondim, no seu site
Dentre todos os medos, assombro-me em virar um homem de palavras ríspidas e de textos cínicos. Quero, na página, a mesma atitude de minhas reações quando estou perto de gente. Se perco a beleza da doçura, sinto-me péssimo – pretendo continuar assim se não for íntegro ao redigir qualquer coisa. Ao desconsiderar a sensibilidade que um dia afirmei e por não conseguir renová-la diante do meu próximo, faço-me menos que homem; flagelo-me; nado em culpa.
Ao escrever, desejo aproximar-me de pessoas com a reverência dos monges quando entram em um lugar sagrado. A história de cada um tem nuances que merecem pausa. Para abrir os livros da vida individuais são necessárias mãos de joalheiro. Se falho em detectar diferença entre decência e cretinice, bondade e oportunismo, sei que meu caminhar é decadente. Cada existência é por demais preciosa, e para conhecer, só se tornando místico. Então que nossas relações se construam baixas, graves, suaves – num pianíssimo musical.
No inicio de toda conversa, nossas percepções são traspassadas pelo susto. Depois prosseguem na calmaria da lealdade. Mas só é possível nos conhecer se levarmos conosco bandeiras brancas. Sem nunca nos esquecermos de deixar a porta aberta para que o outro diga, reaja, conceitue, sobre qualquer atitude que conspire contra a amizade que se constrói.
Guardo feridas narcísicas. Uma delas tem a ver com o pavor de achar-me inconveniente. Meu pai nos disciplinou com rigor. Apanhei de cinturão por bobagens. Desse rigor, desenvolvi um medo de falar à mesa e ser repreendido. Ao descobrir o sexo, nas brincadeiras de criança, ao invés de explicar, instruir, papai simplesmente nos castigava. A dor era tremenda. Em determinada ocasião, comentei algo sobre o casamento de um jogador de futebol e a reprimenda veio na hora: “Cale a boca, Ricardo, não vê que está sendo inoportuno?”. Esse medo se desdobrou e acabei me tornando tímido nos contatos pessoais. Viajo de avião ou de ônibus por milhares de quilômetros, mas nunca entabulo conversa com o passageiro do lado. Em festas, prefiro o grupo que me dê algum apoio emocional e fico em um canto, sem transitar entre as pessoas.
Meu terapeuta tem um sofá, daqueles que os psicanalistas freudianos gostam de usar. Logo no começo da terapia, pedi para não me deitar. Expliquei para ele que o exercício de falar olho no olho seria bem mais desafiador que deitar sem enfrentar o seu rosto.
Talvez eu faça da escrita um exercício de convidar olhares para perto de mim. Seria meu jeito de entabular amizades, alinhavar contatos. Aprendi com Vinicius de Moraes a admirar quem se deixa conhecer através do texto. Quero estar perto de você, pensador, cidadão do mundo, ávido por justiça, sensível ao apelo do pobre e curioso diante do mistério. Se você se enternece pela beleza, gosta de literatura e não tem medo de chorar, então é meu irmão.

Escrevo desde a minha solitude. Se não há ninguém por perto, deixo os dedos bailarem sobre o teclado e despejo o que resta de poesia em minha prosa hesitante e em meus versos mal trabalhados. Desejo porém ser comido por quem tem fome da palavra.
Vejo-me ao lado de meus leitores. Assim, se ao debruçar sobre o texto, eu não tiver poesia para oferecer, que nunca me saia uma linha. Quero ser todo em tudo o que sair de minhas entranhas – e se não me transportar completo, que os deuses me quebrem os dedos.
Soli Deo Gloria

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