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"Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história." Bill Gates

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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Fachos da eternidade


imagem: Internet
Ricardo Gondim, no seu site
Depois de penar bastante com os conceitos de tempo e eternidade, Jorge Luis Borges concluiu: A vida é pobre demais para não ser também imortal.  De tão horrorosamente frágil, a existência é, ao mesmo tempo, fugaz e eterna. O tempo não cessa de desintegrar tudo com a mesma força que reconstrói. Morre-se a despeito de qualquer renascimento, e em cada morte se viabiliza um portal novo. Desde o ontem petrificado, o amanhã não para de acenar possibilidades infinitas. Borges, novamente, sobre a imaterialidade do Kronos: O tempo, se podemos intuir essa identidade, é uma ilusão: a indiferenciação e a inseparabilidade de um momento de seu aparente ontem e de outro de seu aparente hoje bastam para desintegrá-lo.
Os acontecidos se cristalizam no pretérito. Dos eventos sobram meros rastos. As estradas percorridas se alongam mais do que as que ainda esperam ser trilhadas. A identidade de indivíduos depende de eles se reconhecerem na frente de um espelho. Caso não consigam pronunciar o nome de quem enxergam, perdem as coordenadas da história. Sem os vestígios do passado, pessoas se condenam a perambular, errantes, futuro adentro. E para sempre, perpetuamente, acreditarão serem o que nunca foram. A memória, só ela, salva da loucura.
O bom senso vem com a lembrança. E poupa da ilusão de amar Josefina ou de triunfar em Waterloo. Sim, o passado carece de jazer insepulto. O que já aconteceu deve recusar desaparecer. Aquela outra personagem, a que viveu e vem se esvaindo no tiquetaquear inclemente, norteia o personagem que se reinventar no presente. Esse tal outro, que o tempo empoeira, ronda, persegue, alenta, premia e pune. Realidade não pode se perder na alucinação. Na multiplicidade dos muitos eus que povoam a alma de cada pessoa, uns pisam forte com a canhota, alguns cantam e outros driblam. Mas cada um exala o seu cheiro único. Ninguém imita o timbre de voz de ninguém. O porvir nivelará, finalmente, geniais e tolos; por mais esforçados que sejam, findarão como esboço mal acabado do ideal que outrora ambicionaram.
O caminho para a eternidade, onde vive o Mistério Absoluto, tem percalços. A viagem ao porvir insubstancial – da não-matéria – onde leveza substitui gravidade e gentileza se assoma ao ódio, requer sensibilidade espiritual. Intuir a dimensão em que luz e trevas se confundem continua privilégio dos puros de coração. O silêncio divino ressoa gloriosamente nos arredores por onde caminham poetas, místicos, músicos e santos. A eternidade é remota. Navegar o rio do tempo exige timoneiros ternos. Inferno é recusa de desaguar no grande oceano eterno. Céu é encarnação do imarcescível.  Jorge Luis Borges cogitou sobre a duração do inferno. Ele percebeu que o hades acontece sempre que nos alienamos de nós mesmos – ou nos deixamos assombrar com medo:
Sonhei que saía de outro – povoado de cataclismos e de tumultos – e que acordava num cômodo irreconhecível. Clareava: uma difusa luz geral definia o pé da cama de ferro, a cadeira estrita, a porta e a janela fechadas, a mesa em branco. Pensei com medo, onde estou?, e compreendi que não sabia. Pensei, quem sou?, e não pude me reconhecer. O medo cresceu em mim. Pensei: Esta vigília desconsolada já é o Inferno, esta vigília sem destino será minha eternidade. Então acordei de verdade: tremendo.
A esfinge Tebana questionou Édipo sobre o animal que possui quatro pés ao amanhecer, dois ao meio-dia e três à tarde. A solução, tão óbvia, ficou sem resposta por séculos. O herói, finalmente, descobriu: O homem. A vida, efêmera, parece se reduzir a um único dia. Entre a  manhã e a tarde, vai-se do engatinhar à bengala. Se homens e mulheres guardam semelhança com o divino, também não passam de uma cistus ladanifer -  a florzinha que nasce na alvorada e se despela no crepúsculo.Kronos, o titã implacável, à semelhança dos leões, come seus próprios filhos. Nascidos do sêmen divino, os humanos são, simultaneamente, eternidade e pó.
O Nazareno não propôs outro propósito para a vida senão ela própria: – Eu vim para que tenham vida e vida em abundância. No hiato entre os dois choros – nascimento e morte – experimentamos fachos da eternidade.
Soli Deo Gloria

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