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Ricardo Gondim, no seu site
Por anos, achei esquisito os gringos pensarem que a capital do Brasil é Buenos Aires. Agora entendo. Eles nos tratam com a mesma distância que nós, os brasileiros, conhecemos a África ou o Haiti. Não sabemos quase nada sobre a realidade dos países pobres do mundo. A grande maioria dos brasileiros desconhece os horrores da África. Verdadeiros holocaustos ocorrem no Congo, Darfur e Zimbábue e a grande mídia relata muito pouco sobre os genocídios que a pobreza produz. Quantos podem dizer a capital do Congo?
Tragédias repentinas provocam grande alarde. Tsunamis e furacões solampam a previsibilidade mínima que esperamos da vida. Já as hemorragias lentas, com a morte de milhões, são toleradas. Suportamos a miséria porque os limites do aceitável, na devastação de vidas, são expandidos milímetro a milímetro. A condescendência midiática chega a ser criminosa. Por que não se fazem reportagens especiais sobre a mortandade de Darfur? Qual o motivo do silêncio sobre o comércio ilegal de armas no Congo? Constantes epidemias do cólera dizimam o Haiti. Como há um distanciamento dessa realidade, poucos perdem o sono. Morrem dezenas no Iraque ou no sofrido Zimbábue, mas eles não ganham manchete. Um pequeno incidente nos países ricos causa espanto. Contudo, um mundo consumido pela miséria se torna tão perigosamente frágil quanto o mundo que foi arrasado em Hiroshima, ou que testemunhou Auschwitz.
O sofrimento crônico do pobre parece não oferecer atrativo para as redes de comunicação, ansiosas por índices de audiência. A banalidade impera. Tolices ganham espaço. Notícias menos importantes povoam as aspirações populares: final do campeonato de futebol; excessos consumistas de famosos; excentricidades do playboy que esbanja a fortuna da família. Impera a lógica: Ora, pra quê se importar com os bolsões de miséria?
Em Metamorfose, Franz Kafka narra a história de Gregor Samsa, caixeiro viajante e arrimo da família. Certo dia, ele acordou transformado num inseto asqueroso (alguns leitores de Kafka insistem que era uma barata). A reação da família diante de seus infortúnios reflete bem o comportamento da humanidade ao se ver diante do sofrimento. A princípio eles se preocupam com a condição pavorosa de Gregor Samsa. Mesmo provocando repulsa da irmã, ela o alimenta com cuidado. Importa-se sim com seu bem estar. Mas com o passar do tempo, o sofrimento de Gregor Samsa se prolonga e a vida precisa continuar. Sem o dinheiro que Gregor Samsa provê, a família se sente obrigada a trabalhar. Com as demandas do dia-a-dia, ele vai sendo esquecido. E assim o pobre caixeiro, metamorfoseado em inseto, acaba abandonado num canto do quarto, coberto de poeira.
África, América Latina e Haiti são um Gregor Samsa. O rosto esquálido de crianças, a miséria agressiva dos campos de refugiados e a diarréia mal cheirosa do cólera não são agradáveis para quem assiste ao telejornal antes de jantar. A alienação se alastra. Religiosos agravam o quadro – evangélicos principalmente. Pastores preferem gastar horas com testemunhos de gente que jura ter subido na vida à custa de milagre. Relatos procuram atrair mais gente gananciosa por conhecer uma divindade que suspende todas as leis para beneficiar os seus. Mais e mais igrejas se especializam em satisfazer o consumismo desenfreado. Deus a serviço do materialismo. Cantores gospel enriquecem.Igrejas-empresas se abarrotam de dinheiro – enquanto passam a ideia de que o mundo sofre por recusar converter-se à sua mensagem.
Soli Deo Gloria
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