Pastor que diz ter saído do crime para uma carreira em grandes empresas ensina a abrir a própria igreja: “Com R$ 20 mil não dá para abrir uma para 100 pessoas”
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“Igreja não dá dinheiro”. O autor da frase é o apóstolo Gilson Henriques, 50 anos, que além de pregar a palavra de Deus é consultor para abertura de templos evangélicos. De acordo com as próprias contas, Gilson já prestou consultoria para inaugurar mais de 200 estabelecimentos da fé. Segundo ele, ensinar a abrir igrejas dá tanto dinheiro quanto ter uma igreja: o pastor diz receber pagamento simbólico pelo serviço.
“Para entregar tudo pronto, cobro R$ 300 por mês. É nada. Ofereço trabalho de engenharia, advocacia e faço todo o acompanhamento. Eu poderia ser rico, mas quando Jesus voltar, eu faço o que com essa riqueza?”, questiona. Hoje Henriques diz morar de aluguel. Mas conta que já teve uma vida abastada, com direito a restaurantes caros, carros do ano e a melhor casa no bairro da Vila Maria, zona norte de São Paulo.
O pastor se declara um homem desprendido. “Quem está rico não tem a fé que eu tenho em Cristo”, apregoa. Toda a família trabalha no Tabernáculo dos Profetas, fundado há 13 anos pelo autointitulado apóstolo na Vila Maria. O filho mais velho é evangelista e líder de louvor, o do meio é sonoplasta da igreja e o mais novo é baterista da banda. “Minha esposa é bispa e administradora de tudo isso”, complementa.
Trajetória
Mas essa é apenas uma parte da história. Em seu currículo, Gilson afirma ter 19 anos de serviços prestados na área de engenharia, com passagens por grandes empresas como a Petrobras*, e 16 anos vividos para o crime, período que marcou o início de sua vida – ele conta que viveu para o tráfico de drogas dos 8 aos 24 anos. “Matei muita gente, foi a perdição. No tráfico, nasce e morre gente todo dia”, diz.
Nos 12 anos seguintes à conversão, ele ainda lidava com o passado. “Não era uma abstinência da droga, mas abstinência das ações, dos tiros, das faces, dos olhos, da dor. Você não dorme com isso no coração, você vegeta”, relembra, sobre a emoção dos atos criminosos. Apesar do passado pecador, não sente culpa. “Consigo lidar com tudo aquilo que fiz na época em que o diabo me usou, porque hoje Cristo habita em mim”, justifica.
Faz 25 anos que ele foi “liberto por Jesus”. “Foi o pastor Arlen Vilcinskas, da Igreja Cristã Época da Graça, quem me tirou do crime. Esse homem, através da palavra de Deus, me conduziu ao caminho da salvação”.** Desde então, Gilson redefiniu suas metas. “O maior objetivo aqui é ganhar almas para o reino de Deus”. Isso inclui fundar, formar e entregar ministérios. Segundo ele, há igrejas evangélicas legais, clandestinas e as que só visam o lucro. “Tem gente que busca uma melhora de nível financeiro, então abre o negócio, contrata pastores e nem aparece na igreja. Só quer saber o quanto deu”, diz.
Para abrir um templo de acordo com a lei e “a graça de Deus”, o pastor Gilson Henriques não dá entrada no CNPJ enquanto o salão não estiver montado corretamente com cadeiras ergométricas, iluminação e extintores de incêndio adequados.
No dia da entrevista, percorremos o salão com capacidade para 700 pessoas e acompanhamos um culto — que, no Tabernáculo dos Profetas, ganha contornos de espetáculo. Luzes, coreografias e som estéreo confirmam o investimento em infraestrutura. “Eu consegui colocar o ISO 9002, 9003, 9004, funcionando dentro da nossa igreja. Isso é uma empresa. Tenho brigada de incêndio e pessoas formadas em primeiros socorros”, lista Gilson. Também há dois irmãos na cozinha da lanchonete e outros dois na recepção, assim como gente cuidando da porta de entrada e da loja de livros e DVDs.
Sem salário
Segundo Gilson, a manutenção de uma igreja do tamanho do Tabernáculo exigiria 30 funcionários. Mas não há empregados registrados no local. “Há pessoas que fazem coisas aqui dentro porque Jesus fez algo muito importante por elas. Elas vêm e doam o seu dia para limpar e fazer almoço para a gente. É doação”, conta. Henriques também diz não receber salário e viver da venda de seus livros e DVDs. “E daquilo que pessoas que estão preocupadas comigo sabem que preciso, e mantêm a minha família”, salienta.
De acordo com pesquisa do IBGE divulgada no último mês, quase um milhão de evangélicos deixam os templos por ano no Brasil. “70% dos evangélicos estão dentro de casa por causa da inadequação das igrejas. Essa informação do IBGE caiu como um filé mignon no prato”, ele declara, com ar satisfeito.
A necessidade de trazer esses fiéis de volta é o que posiciona Henriques no mercado. “Um salão para 100 pessoas sai em torno de R$ 2 mil, cada cadeira custa R$ 40. 100 cadeiras, R$ 4 mil. Um aparelho de som, R$ 10 mil. Então já são R$ 14 mil. Não consigo abrir uma empresa hoje com menos de R$ 20 mil”. Isso sem falar na formação do pastor, profissão ainda não regulamentada no Brasil. “Se for fazer um bacharelado, com R$ 5 mil se consegue”, diz ele, sobre o curso de Teologia, ainda não reconhecido pelo MEC. “O consultor de uma igreja vai caminhar com você, com seus problemas, com aconselhamento, treinamento. Não é só abrir a igreja, receber o dinheiro e acabou”.
Sinal de Deus
O dízimo e a oferta funcionam como um capital de giro para a empresa. Mas, segundo Henriques, circulam rigorosamente dentro da legalidade. “As pessoas que frequentam e sustentam a igreja não são ricas. Pagam dízimos de R$ 60. São essas pessoas que mantêm essa estrutura”. Os mesmos fiéis que, no final do ano, podem pedir uma listagem dos seus dízimos para declarar no imposto de renda como doação. “Se ele coloca lá e eu não coloco aqui, eu estou na malha fina”.
Orar por contratos de grandes empresas também gera renda para a igreja. “Se o empresário estiver com um problema com um contrato de R$ 5 milhões e me chamar, só nessa paulada foi R$ 1 milhão para dentro da igreja. Mas essa igreja talvez não receba R$ 1 milhão em seis meses de dízimo de R$ 60”, compara.
Apesar dos grandes montantes que eventualmente entram na conta de seu Tabernáculo, Henriques não se vê como outros pastores conhecidos do grande público. “ Edir Macedo e Valdemiro Santiago não são chamados para orar por pessoas da favela. São os pastores deles que têm que manter a igreja. Esses caras vão orar por senadores da República, por empresários como o Abílio Diniz ”.
Será possível dizer que abrir uma igreja seja um negócio da China? Talvez de outras localidades: em dezembro, Henriques e a família aterrissam em Angola, na África, para uma obra. “Conforme a receptividade do povo angolano, vamos nos evadir para Joanesburgo e subir para a costa do Congo. Já estamos sentindo este sinal de Deus”, conclui.
* Procurada, a assessoria de imprensa da Petrobras afirma que o nome do apóstolo não foi localizado no cadastro de empregados.
** O pastor Arlen Vilcinskas não foi localizado pela reportagem.
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