Por motivos religiosos, candidatos que precisam guardar o sábado têm horário especial. Neste ano, 90 mil sabatistas farão o Enem
Enquanto os colegas sabatistas começavam a prova do primeiro dia de Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) às 19h em ponto, a espera de Linda Leah Shayo não havia terminado. Era preciso ainda que três estrelas despontassem no céu para que a estudante pudesse enfim iniciar sua prova naquele 3 de novembro de 2012.
Diferentemente dos adventistas, para quem o sábado de descanso termina quando o sol se põe, o shabat dos judeus só se encerra após a aparição das três estrelas, um cálculo feito com antecedência pelos rabinos. Por isso, mesmo isolada na sala de aula desde o meio-dia, horário marcado para todos os candidatos, Linda sabia que só 50 minutos depois das 19h ela estaria liberada para atividades tão corriqueiras como pegar uma caneta na mão e escrever. Nesse ínterim, a estudante podia apenas ler as questões.
Por causa de sua religião, Linda inscreveu-se para prestar a avaliação no horário especial para sabatistas. A adolescente de 17 anos e sua família seguem à risca as tradições judaicas. Aos sábados, a ex-aluna do colégio Iavne, em São Paulo, e hoje estudante de direito na Mackenzie costuma frequentar a sinagoga, ler e ficar em casa com a família. Em respeito ao shabat, os judeus ortodoxos não ligam a TV, nem a luz, o carro, o computador ou o botão do elevador. Não trabalham, nem escrevem ou carregam qualquer coisa nas mãos.
No sábado em que prestou o Enem em 2012, a estudante precisou passar por cima de suas crenças para realizar a prova. Foi de carro até o local do exame – um motorista a levou, para evitar que os pais dirigissem – e levou consigo a caneta e a carteira de identidade. “Tudo isso me incomodou, foi contra a minha vontade. Não achei justa a forma como o Enem impôs a prova aos judeus religiosos”, diz Linda.
Para a estudante, o cansaço de permanecer sete horas em uma sala fechada, sem poder consultar qualquer material antes de iniciar a prova, também a prejudicou. Na opinião de Linda, as provas de Ciências da Natureza e Ciências Humanas do Enem, que acontecem aos sábados, deveriam ser realizadas em outro dia da semana, ou o exame deveria ser aplicado a partir das 20h, para garantir que as estrelas já estariam visíveis no céu.
Adventistas
Durante a longa espera para iniciar o exame em 2012, o estudante adventista Kevin Cornetti Oliveira, do terceiro ano do Colégio Adventista Ellen White, em São Paulo, tocou violão e cantou músicas de sua igreja com os colegas de prova. Minutos antes de iniciar o teste, os estudantes fizeram juntos uma oração. “Todo mundo era adventista, e o clima lá dentro era muito alegre”, conta. Para os adventistas, o sábado representa um dia para viver para Deus e descansar, mas não impõe proibições como no judaísmo, e o dia de descanso acaba com o pôr- do-sol. Para Kevin, que durante os sábados costuma ir ao culto e visitar parentes e amigos, o sistema do Enem para os sabatistas é justo. “Se tivéssemos que chegar só às 19h ao local de prova, seria errado com os outros candidatos”, diz.
Com a expectativa de realizar a prova neste ano, a aluna adventista Catherine Biondo Feitosa, 17 anos, colega de Kevin na escola, diz que está tranquila em relação ao horário de prova no sábado, apesar dos amigos que não são adventistas estranharem sua opção. “Se eu tivesse que escolher entre o Enem e o sábado, escolheria o sábado. Deus me abriria uma porta por outro lado”, afirma. Catherine diz que não se importa de ter que esperar sete horas na sala de aula para prestar a prova, e que o tempo não será perdido. “Eu que escolhi ser assim. Não vou estar na igreja, mas vou fazer amizades e guardar meu sábado.”
Neste ano, 90.273 sabatistas, de um total de 7,17 milhões de inscritos no Enem, farão a prova no sábado, 26 de outubro, no horário especial: 19h, com ou sem estrelas no céu.
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