Ricardo Gondim, no seu site
Não sei porque alguém se interessaria em escrever, algum dia, uma biografia minha. Não consto na agenda da presidente, nunca almocei com o secretário geral das Nações Unidas. Jamais fui capa de revista semanal. Todavia, sempre é possível haver algum maluco, especialista em temas excêntricos. Se uma pessoa se interessar em pesquisar minha vida, facilito sua pesquisa.
Biógrafo amigo,de antemão advirto: você não encontrará em minha história nada fenomenal. Logo aprenderá que não fui gênio em nada. Nunca voltei os ponteiros dos relógios. Jamais abri o mar para que uma multidão atravessasse a pé enxuto. Não fui sequer apontado para ganhar alguns concurso literário, quiçá o Prêmio Nobel. Saiba, porém, e eu juro: sempre tentei.
Tentei ser poliglota. Meses antes de completar treze anos, matriculei-me, simultaneamente, em cursos de alemão, inglês e esperanto. Cedo notei que meu quociente de inteligência não alcançava o alemão. Cheguei a apostar que os sonhos de Zamenhof se concretizariam. Contudo, logo percebi, se não houvesse um investimento milionário ou multinacional, patrocinando o projeto do esperanto, Babel jamais seria revertida. Que grande perda - ouvi de meu professor quando desertei a língua que pretendia unificar a humanidade. Foi realmente um estrago. Eu já sabia recitar em esperanto certos trechos da Iracema de José de Alencar. Progredi no inglês. Hoje me orgulho de dominá-lo com facilidade.
Tentei ser atleta. Deus sabe como. Fui vice-campeão cearense infantil de judô – perdi o título de campeão, numa amarga derrota para o Jorge, meu irmão mais novo. Migrei para o basquete. Quando tentei fazer tabelas, ouvi do Luiz, técnico do Maguari Esporte Clube: Mais cuidado, canhoto mongol. Nunca mais voltei aos treinos. Eu realmente não conseguia coordenar os três passos permitidos no basquete para fazer as tabelas. Voltei-me para a natação. Ganhei um terceiro lugar nos Jogos Brasileiros das Escolas Técnicas. Subi a um pódio em que apenas cinco disputaram. Ficou nisso! Como não baixei o tempo, no ano seguinte sequer me classifiquei para os próximos jogos. Quando morei nos Estados Unidos, tentei enganar. Cheguei lá com ares de quem jogava pólo aquático. Alcancei o time principal. Mas como goleiro. E você, querido biógrafo, sabe o que significa o posto de goleiro, não é?
Tentei ser diplomata. Matriculado no curso noturno na faculdade de administração de empresas da Universidade Estadual do Ceará, não dispunha de tempo, dinheiro ou cabedal para o Instituto Rio Branco, além de não dominar o francês – só agora vejo que tentar falar alemão não foi boa empreitada. Me vi obrigado ao cargo de chefe do departamento de tradução de uma empresa filantrópica americana. Eu traduzia cartas de crianças pobres para seus padrinhos.
Tentei ser um bom presbiteriano. Só que, não sei explicar, numa epifania, tive uma experiência pentecostal. Falei em uma língua que parecia soluços espirituais – a que os teólogos chamam de glossolalia. Cordialmente convidado a não mais permanecer entre os presbiterianos, tive que sair. Resolvi tentar a Assembléia de Deus. Esforço vão. Eles nunca pararam de me olhar com suspeita. Não entendo suas razões. Quem sabe? Eu nunca admiti que brincos na orelha das mulheres fossem piores do que a vaidade de suas disputas eleitorais para cargos na denominação. Anos depois, continuei em minha saga pelas estruturas da religião. Agora como evangelical. De novo, amarguei insucesso. Desencantei-me com a fôrma teológica dos irmãos reformados. Tem gente que consegue ser mais luterano do que lutero, mais calvinista do que Calvino e mais wesleiano do que Wesley. O adesismo cultural de certos setores ao american-way-of life, me enervava. Perdi amigos. Escanteado, não tive opção senão prosseguir.
Tentei ser um bom líder espiritual. Dei-me com todas as forças ao projeto de edificar uma comunidade compromissada com a missão de Jesus. Sonhei com uma igreja engajada socialmente, amando os pobres e desafortunados. Desejei ver mulheres e homens preocupados em encarnar valores verdadeiros. Por décadas compareci a todos os acampamento de jovens e de casais. Varei madrugadas em vigílias de oração. Jejuei. Preguei com esmero. Só subi ao púlpito depois de me preparar por horas a fio. Depois de tudo, não fui poupado. Tentaram me escorraçar. Lealdade foi para o lixo em nome da defesa da sã doutrina. Gente que hospedei em minha casa não contou até três na hora da traição. Para me desacreditar publicamente, espalharam que eu negava Deus. A cidade onde nasci e morei me tratou como um apóstata sem vergonha. Um enorme número de pessoas, que poderia ser minha amiga, não sei hoje nem por onde anda. Filhos de amigos rejeitam o jeito de encarar a fé, que consumiu meus melhores anos.
Tentei ser um bom pai. Procurei não repetir os erros da família de onde vim. Sonhei viver os últimos dias cercado pelos filhos e netos. Nos últimos anos, depois que somo os quilômetros que me separam da Cynthia e Naran, choro.
Estou no último terço da vida. Tive mais lutas que vitórias. Aprendi a dura penas que a grandeza humana não vem dos triunfos. Não há triunfo. Porém de sua resiliência de não se entregar ao destino. Nas etapas que atravessei procurei não sucumbir a ele, o destino. Se minha história, não inspirar grandes arroubos, acatarei o seu duro veredito, biógrafo amigo. Concordo, não fui tão bem sucedido! Todavia, seja gentil, registre pelo menos que tentei. E muito!
Soli Deo Gloria
Nenhum comentário:
Postar um comentário