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Ricardo Gondim, no seu site
Meus queridos netos, hoje vou contar para vocês uma história impressionante.
Era uma vez, um homem muito birrento, teimoso como uma mula. Um dia ele sentiu, não se sabe como ou porquê, que Deus queria salvar o país vizinho. Acontece que ele não tolerava aquele povo. Considerava-os maus. Imaginava-os perversos, dignos do inferno.
O homem pensava, inclusive, que ninguém deve se envolver com quem não merece. Ele pensava deixar que a história tomasse o seu próprio curso e que a degradação daqueles vizinhos os levasse à ruína. Contudo, a palavra misericórdia martelou a cabeça dele. Depois de muito relutar, o homem resolveu fugir para bem longe, e não ter qualquer responsabilidade com o destino daquele povo.
Jonas era o nome do fujão. A cidade que ele não tolerava se chamava Nínive. Jonas pegou, então, um navio na direção oposta da cidade que tanto detestava. Revoltado com a ideia de influenciar quem achava que devia morrer, ele rumou para outra cidade, Társis. A viagem foi tempestuosa. Quanto mais se distanciava da costa, piores os prognósticos. Em meio a ventos fortes e mar revoltoso, um desastre se avizinhou.
A tribulação do barco estava repleta de marinheiros mercenários. Suspeitosa de que alguém ali tinha energia negativa, eles temeram. Alguém só podia estar sob a maldição dos deuses. Aqueles homens rudes jogaram sorte para saber quem atraía tanto azar. Bingo! Os dados revelaram Jonas. Ele só podia ter alguma contenda com o seu Deus. Não teve jeito, os marinheiros decidiram lançar Jonas no mar. Era a única forma de aplacar a ira divina no meio da borrasca.
Ainda hoje os marinheiros contam que Jonas foi engolido por um grande peixe. Antes de se derreter nas entranhas do monstro marinho, Jonas teria tido tempo de dialogar com o seu Deus – naquele tempo as pessoas sobreviviam na barriga de baleias e de outros leviatãs.
Jonas continuava brabo. Ele intuía que tudo aquilo acontecia em decorrência da sua teimosia de não ajudar os nininvitas. De dentro da barriga do peixe, ele teria discutido com Deus. Logicamente perdeu a discussão. Ninguém nunca conseguiu ganhar um debate com o Todo Poderoso. Jonas acabou cedendo. Ele viu que birra contra Deus só dá problema. Tá bem, tá bem, eu vou. Farei um sacrifício. E ainda pensou: Melhor tentar ajudar um povinho que nada merece do que morrer aqui, nas profundezas intestinais deste monstro marinho.
Ainda se conta pelos portos do mundo que Jonas passou três dias na barriga do peixe. Marinheiros juram que ele foi visto caminhando pela praia. Dizem que Jonas foi vomitado pelo peixe. A iminência da morte e o sufoco de contender com o próprio Deus levaram Jonas a ceder. Ele aceitou ir para Nínive.
Nínive era uma cidade enorme, parecia um labirinto – como naquele tempo não havia planejamento urbano, as pessoas construíam suas casas sem organização. Um homem normal passaria uns três dias para atravessá-la de um lado ao outro. Jonas, entretanto, estava com muita raiva. Ele cruzou Nínive em um único dia.
Jonas não tolerava os ninivitas de jeito nenhum. Sem vontade, mecanicamente, ele gritou pelas alamedas e becos: Daqui a quarenta dias Nínive será destruída. Imaginem, meus netos, a má vontade do profeta. Desejoso do insucesso de sua missão, falava sem convicção. Jonas devia esconder um sorriso na antecipação da ruína da cidade.
O rei de Nínive se apavorou ao tomar conhecimento do vaticínio do profeta vindo do mar. O rei, entretanto, já andava preocupado com a decadência ética, espiritual e financeira do povo. E por ser muito supersticioso, assim que recebeu a notícia do mau agouro do profeta, proclamou um dia nacional de arrependimento. No feriado, ninguém comeu nada, nem as pessoas nem os animais.
Logo que Deus soube do ocorrido voltou atrás a respeito da desgraça que havia prometido enviar sobre Nínive. O Senhor mandou um novo recado: Tendo em vista o que esse povo fez e como abandonou os seus maus caminhos, eu me arrependo de ter falado em destruição. Não vou destruir nada e nem ninguém.
Quando Jonas soube que Deus havia se arrependido, ficou maluco, profundamente descontente. Sua fúria se tornou notória. Jonas chegou ao ponto de falar com Deus com raiva: Senhor, não foi isso que eu disse quando estava em casa? Fique sabendo, que foi por isso que eu me apressei em fugir para Társis. Eu sabia que tu és Deus misericordioso e compassivo, muito paciente, cheio de amor e que promete castigar, mas depois te arrependes. Jonas simplesmente não conseguia aceitar que amor quebre com a rigidez e que arrependimento faça parte das ações de Deus. Extremamente decepcionado com o amor benevolente, pediu para morrer.
Jonas fugiu mais uma vez. Sem coragem de enfrentar o mar ficou em terra firme. Ele pretendia ficar só. Para curtir a raiva, Jonas se escondeu em algum lugar no lado do sol nascente da cidade. Ali construiu uma latada para servir de esconderijo. Dizem que Jonas se isolou e ficou muito tempo emburrado sem falar com ninguém.
Deus, porém, não desistiu dele. O Senhor fez crescer uma planta bem bonita para proteger o profeta do sol. Como Jonas andava muito abatido e solitário, acabou por afeiçoar-se pela ramagem. Um dia acordou e se apavorou: a plantinha estava morta, comida de lagartas. Nessa manhã, Jonas chorou muito.
Deus perguntou por que Jonas chorava. Sem a minha planta eu me sinto desprotegido, disse. Jonas afirmou ainda que a ramagem havia se tornado como uma planta de estimação. Deus arrematou – (quando Deus arremata, a gente fica sem palavras): Você tem pena dessa planta, embora não a tenha podado nem a tenha feito crescer. Ela nasceu numa noite e numa noite morreu. Contudo, Nínive tem mais de cento e vinte mil pessoas que não sabem nem distinguir a mão direita da esquerda – eles não sabem o certo do errado. Não deveria eu ter pena dessa grande cidade?
Se Deus ama com o mais perfeito e puro amor, ele não precisa ter medo de parecer inconsistente. Deus não se vê obrigado a preservar sua reputação divina – ele não deve satisfação a ninguém. Lembrem-se, meus netos: para exercer misericórdia é necessário não hesitar em voltar atrás. Deus é compassivo e misericordioso. Por isso, defino graça como persistência de amar.
O profeta perdeu a reputação de ser exato. Contudo, uma cidade foi salva. Jonas aprendeu que intolerância não procede de Deus. Sua história consta na Bíblia para que avós contem para os netos que a rigidez da religião não combina com a flexibilidade que a misericórdia exige dos misericordiosos. A estória de Jonas nos ensina, também, que compaixão deve ser a virtude por excelência de qualquer espiritualidade.
Soli Deo Gloria
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