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"Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história." Bill Gates

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quinta-feira, 23 de maio de 2013

Só o amor tem poder de transformar

imagem: Internet


Ricardo Gondim, no seu site.
Victor Hugo tem uma genialidade assombrosa. Em Os miseráveis, Jean Valjean, um egresso das galés, talvez conste como uma das personagens mais bem construídas da literatura.
Livre da cadeia há quatro dias, Jean Valjean não encontra quem o acolha. O passado o persegue. Ele é um proscrito. Cansado, tremendo de frio e faminto, precisa de um lugar para descansar. Sabendo que o prenúncio de uma nova chuva o matará, Valjean tenta achar um albergue. Em vão. Ninguém o quer. Os cachorros o enxotam. Desesperado, se depara com uma mulher que indica a casa do bispo D. Bienvenu como única possibilidade de acolhimento. A anônima diz que o homem de Deus seria capaz de hospedar-lhe.
Ao bater na porta da casa do bispo, Jean Valjean não esconde a vida pregressa. Mesmo assim, D. Bienvenu o recebe, convida para dividir a ceia e ainda oferece bons lençóis para a noite de sono. O ex-presidiário, entretanto, ainda padece os efeitos de sua história. Ele tem um estigma; é um sentenciado embora não tenha cometido o crime banal que o levou à cadeia. Valjean age como um animal encurralado e agredido, que procura se defender.
Resolve então fugir da casa do bispo. Nas caladas da madrugada, antes de sair, rouba os talheres de prata. Contudo, não vai muito longe. Os guardas o pegam, reconhecem as insígnias do bispo na prataria e o conduzem de volta à casa que o acolheu. A sina é retornar ao cárcere.
Surpreendentemente, D. Bienvenu não só perdoa como o salva. Diante da prata roubada, o desconcerta com uma pergunta e uma oferta: Estimo tornar a vê-lo. Mas eu não lhe dei também os castiçais? São de prata como os talheres e poderão render-lhe bem duzentos francos. Por que não os levou também?
Diante do gesto nobre de não levar em conta o roubo e ainda oferecer castiçais, Jean Valjeanarregalou os olhos e contemplou o venerando Bispo com tal expressão que nenhuma língua humana poderia descrever.
O perdão e o amor gratuito de D. Bienvenu impactam Valjean de tal maneira que sua vida muda. O bispo o livra da acusação da lei, mas o torna, daí em diante, escravo da bondade. A gentileza – a Graça – esmaga Jean Valjean. Ele nunca mais foi a mesma pessoa. Ao liberá-lo, o bispo o torna servo de um gesto magnânimo.
Na carta aos Romanos, Paulo afirma que Deus conduz as pessoas ao arrependimento por sua bondade. Ou será que você despreza as riquezas da sua bondade, tolerância e paciência, não reconhecendo que a bondade de Deus o leva ao arrependimento? (Romanos 2.4).
Victor Hugo acerta no alvo ao fazer o bispo encarnar a Graça. Sua atitude estabelece uma verdade que percorrerá Os Miseráveis: só o amor tem poder de transformar. Ninguém muda sob ameaça. Arrazoamentos teológicos são impotentes para convencer.  Jesus esperou que seus discípulos fossem conhecidos por amar, nunca por doutrinar. Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros (João 13.35).
Deus elogia mesmo na expectativa de arrependimento e mudança; quando quer humilhar, exalta; quando deseja constranger, abandona o rigor da lei e perdoa. Deus recebe com festa ao invés de repreender. Entre vasculhar o passado e apostar no futuro, prefere o futuro. Um dos efeitos da Graça é fazer com que o bem não fique extrínseco, distante, da alma. Conta-se que Plutarco tentou colocar um cadáver em pé. Por mais que procurasse uma maneira de fazer o morto se manter ereto, o corpo caía. Finalmente, concluiu: Falta alguma coisa dentro dele. Metaforicamente, somente através da autoestima se consegue manter uma pessoa em pé. Sem ela, a dignidade fica abalada, a coragem, minada e o entusiasmo, perdido.

Jesus descreveu o amor do Pai pelo Pródigo nesses termos. O filho volta para casa ainda sujo, sem sequer mostrar obras dignas de arrependimento. O pai, contudo (a parábola narra um raríssimo exemplo de Deus com pressa), abraça o filho, coloca anel no dedo, calça os pés e agasalha os seus ombros. O rapaz ensaiou pedir para ser apenas um dos empregados da casa. O velho, porém, interrompe a fala meticulosamente ensaiada e ordena que preparem uma festa. A partir daquele dia, o filho se torna escravo da bondade. O amor, mesmo depois de tudo o que fez, tem força de constrangê-lo e transformá-lo.
O mundo mostra sinais de cansaço com a religião que exclui, condena, guerreia. O bispo Bienvenu continua proclamando a alvissareira notícia do evangelho: Deus não fecha portas. Ele ainda hospeda os que ninguém quer; ainda acolhe sem ameaçar com castigo; e ainda se deleita em conjugar os verbos dignificar e libertar.
Soli Deo Gloria

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