imagem: google |
Sempre achei curioso o fato de o código de acesso telefônico para os Estados Unidos ser 01 e o do Brasil, um longínquo 55. É que, na nova ordem globalizada, eles são a matriz. Merecem o primeiro lugar até na discagem direta internacional. Já o nosso número pode significar simbolicamente a distância com que o império nos enxerga.
Os americanos são verdadeiramente a nova matriz do mundo. Possuem um poder militar amedrontador, que policia os mares, as montanhas e florestas do planeta. Sua moeda é o referencial financeiro dos mercados. Investem mais dinheiro na ONU que qualquer outro país e assim podem vetar ou aprovar moções da comunidade internacional. Publicam mais livros, lideram em investimentos em pesquisa tecnológica e assim possuem o maior número de cientistas detentores do Prêmio Nobel. Quando queremos nos divertir, assistimos aos filmes que eles produzem. Quando os países pobres enfrentam apuros financeiros correm para Nova York pedindo um novo empréstimo. Os americanos são tão poderosos que conhecem pouco o que acontece em outros países. Eles se bastam. Por isso é que muitos continuam achando que Buenos Aires é a capital do Brasil e que as cobras ainda passeiam por nossas cidades.
Os brasileiros idolatram a América. Avaliamo-nos, cabisbaixos, como um povinho medíocre destinado a ser vassalo de uma grande potência. Preferimos suas músicas, embora não entendamos a letra. Não valorizamos devidamente nossa arte, cultura e história. Milhares já emigraram para lá. Aceitam lavar pratos e chão de cozinha por dólares tão escassos por aqui. Achamos que os parques de diversão americanos são mais interessantes que nossas praias de areia branca com sol quente e água morna.
Recentemente visitei uma famosa faculdade bíblica nos Estados Unidos. Gastei algumas horas na sua livraria. Maravilhei-me com a quantidade de títulos publicados, encantei-me com a profundidade teológica e a seriedade com que os diversos temas são abordados. Porém, entristeci-me ao constatar que não havia nada, em nenhuma prateleira, de autores latino-americanos. Brasileiros então, nem se fala! Lá na sede do império não se sabe quase nada sobre os evangélicos latino-americanos, a não ser rumores de que um grande avivamento ocorre por aqui. Estamos tão distantes da cultura americana como está o Conde Zinzendorf e sua misteriosa Morávia da realidade atual. Indignei-me quando li o famoso Este Mundo Tenebroso, de Frank Perreti. A trama do livro é a batalha espiritual que acontece em uma cidadezinha americana do interior que seria dominada por uma seita da Nova Era. No último capítulo, os demônios são finalmente vencidos e expulsos. Para onde eles vão? Para o Rio de Janeiro!
Nessa última visita aos Estados Unidos, preocupei-me em assistir aos programas dos televangelistas, conversar com os evangélicos sobre política e ouvir o conteúdo das pregações. Espantei-me ao perceber como os programas (principalmente os carismáticos) procuram imitar as grandes produções hollywoodianas. Os pastores se produzem com gel no cabelo e vestem ternos caríssimos. Suas esposas, carregadas de maquiagem, parecem personagens de outro planeta. Algo destoa quando falam do Jesus de Nazaré, que foi simples e viveu uma vida singela. O conteúdo dos sermões tem duas polegadas de espessura. As megaigrejas são construções suntuosíssimas, com luminárias de cristal, tapetes maravilhosos e assentos confortabilíssimos. Financiadas com empréstimos a juros baixos, erguem-se à beira das auto-estradas como símbolos da parceria de mamom e Jeová, que a cultura americana promove tão bem.
Os evangélicos americanos gostam muito do Partido Republicano. Veneram o seu presidente e acreditam que a sorte de seu país está ligada à obrigatoriedade da prece nas escolas, à proibição do aborto e à denúncia do homossexualismo. Não lhes interessa muito a emissão de gás carbônico na atmosfera (a maior do mundo), o descaso com a epidemia de aids na África e a desigualdade nas suas relações comerciais com os países miseráveis do planeta. Nenhuma denúncia é ouvida dos púlpitos americanos quando sobretaxam as importações e subsidiam a sua agricultura, falindo a economia primária das nações pobres. O american way of life (estilo de vida americano) e o evangelho são irmãos siameses. Quase impossível de se separarem!
A igreja evangélica brasileira repete o mesmo comportamento do restante de nossa nação. Também nos vemos com autodesprezo. A grande maioria dos nossos livros é tradução dos best-sellers americanos (alguns rasos e descontextualizados). Traduzimos suas músicas e nos maravilhamos com o poder espiritual de seus evangelistas. Convidamos pastores americanos para ministrar em nossos congressos sobre espiritualidade porque os consideramos mais íntimos de Deus. Eles nos ensinam métodos de crescimento da igreja e alguns chegam por aqui com pretensa autoridade apostólica, soprando sobre os auditórios para que as pessoas caiam. Balançam o paletó acreditando que uma onda espiritual sacudirá o povo. A ironia disso tudo é que aqueles que nos ensinam sobre espiritualidade vêm de subúrbios limpos, moram em casas calafetadas no inverno e refrigeradas no verão. Nunca presenciaram uma cena de violência urbana, jamais foram assaltados. Não gastam mais que 15 minutos no trânsito e convivem com uma congregação com renda per capita de mais de 50 mil dólares por ano. Só porque conseguiram aumentar sua congregação para mais de 2 mil membros, vêem-se habilitados a nos ensinar como fazer uma evangelização explosiva. Porque são habilidosos em manipular um auditório entorpecido pela euforia religiosa, acham que podem nos ensinar uma “nova unção” que derruba as pessoas no chão.
Eu gostaria de ser mentoreado sobre espiritualidade por um pastor que ora, lê as Escrituras e medita nelas, a partir da periferia das grandes cidades do Brasil, verdadeiras zonas de guerra. Porque sou brasileiro, quero ouvir mais dos pastores que cuidam de congregações lotadas de gente desempregada e aflita com a instabilidade da economia. Porque também convivo com a dura realidade da violência, quero aprender a aconselhar com pessoas que sabem o que é cuidar de gente que já testemunhou chacinas ou que já foi assaltada à mão armada.
Prefiro conversar com um desses plantadores de igrejas anônimos que já construíram várias pequenas igrejas sem recursos a ouvir de teóricos sobre o método gerencial mais eficaz que faz uma igreja crescer numericamente, mas que nunca plantaram, eles mesmos, uma igreja sequer.
Apesar de sermos ainda muito imaturos e vulneráveis a tantos modismos, o jeito brasileiro de viver a fé é fantástico. O fervor com que se louva a Deus, por aqui, é contagiante. As diversas expressões missionárias, mesmo ainda meio indisciplinadas e anárquicas, mostram-se bastante frutíferas. Haja vista, o pipocar contínuo de igrejas que se estabelecem nas redondezas pobres das grandes cidades. Sobejam exemplos de missões que alcançam prostitutas e travestis, e que ninguém valoriza devidamente. Os galpões velhos, os cinemas abandonados, lugares outrora esquecidos que viraram templos, são espaços simbólicos da incursão evangélica em setores esquecidos da sociedade.
O Brasil evangélico é um contraponto à complacência cristã do Primeiro Mundo. A nossa taxa de crescimento é uma das maiores de todo o mundo. Nosso zelo missionário, invejável. A mobilização da igreja impressiona quem se interessa em estudá-la. Vencemos preconceitos denominacionais em larga escala e pastores de diferentes tradições convivem sem maiores problemas. A instabilidade econômica nos forçou a aprender a sobreviver dos dízimos e ofertas semanais. Não somos uma igreja endividada. Artesanalmente montamos nossos corais. Artesanalmente estabelecemos centros comunitários em zonas carentes. E artesanalmente tentamos cumprir a missão integral.
O problema é que, ao reproduzimos na igreja evangélica a mesma baixa auto-estima nacional, não conseguimos ter mais teólogos com intrepidez de publicar suas reflexões e idéias, mais pastores que escrevam sobre suas experiências em suas comunidades, mais poetas e escritores que nos brindem com suas meditações e ficções.
Com tanta riqueza ao nosso redor, sugiro procurarmos não nos embasbacar olhando para a “matriz” e desejando ser iguais a ela. Resgatemos nossa identidade cristã nacional e façamos de nossa brasilidade um motivo de orgulho. Desvencilhemo-nos da dependência dos modelos importados, que podem ter relevância lá, mas que dizem tão pouco para o que vivemos aqui.
Mãos à obra, pastores, seminaristas, cantores, missionários, evangelistas, escritores, poetas e professores brasileiros. Temos muito que fazer!
Soli Deo Gloria
Nenhum comentário:
Postar um comentário