Por Hermes C. Fernandes, no Cristianismo Subversivo
Apesar de pertencer à tradição protestante, devo confessar que estava torcendo para que dom Odilo Scherer foi eleito papa. Estava terminando de escrever um artigo explicando minha predileção quando foi anunciado que o processo de escolha no novo papa chegara ao fim. Torci até o último instante. Confesso que fiquei um tanto quanto decepcionado com a escolha, mas logo me conformei e senti-me contente de saber que finalmente a igreja católica estaria sob a batuta de um papa latino-americano.
Imediatamente fui ao google em busca de informações sobre o arcebispo de Buenos Aires, agora eleito sumo-pontífice do maior ramo do cristianismo mundial. Algumas coisas me chamaram a atenção e me fizeram olhar para o novo papa como uma incógnita.
Além de ser o primeiro papa latino-americano (apesar de sua origem italiana), o argentino Jorge Mario Bergoglio também é o primeiro jesuíta a ocupar o cargo, e o primeiro a se chamar Francisco.
Terá ele escolhido o nome Francisco em honra a São Francisco de Assis ou a São Francisco Xavier, um dos fundadores da Companhia de Jesus, da qual é membro? Embora os veículos de comunicação tenham anunciado que o nome foi escolhido em homenagem ao Francisco de Assis, tenho minhas dúvidas.
Soa irônico que um papa escolha chamar-se pelo nome de um homem que confrontou o papado, desafiando-o a deixar a ostentação e abraçar a humildade. Um homem que se despiu de toda a vaidade, e que considerava até a mais vil das criaturas como sua irmã. Se, de fato, ele se inspira neste santo revolucionário, podemos esperar que a igreja católica passe por grandes mudanças. Mas, se em vez disso, sua inspiração for outro Francisco, o Xavier, que se destacou como missionário jesuíta, podemos esperar um grande esforço missionário e evangelístico, talvez no afã de reconquistar fiéis que evadiram para as igrejas evangélicas. Só o tempo nos revelará qual será a marca de seu pontificado.
O perfil traçado pela mídia dá conta de que Bergoglio seja um intelectual conservador moderado, solícito ao diálogo com outras religiões. Dizem que é bem-humorado, não desperdiçando a oportunidade de contar uma piada, inclusive sobre a própria religião e seus padres. Esboça uma abordagem bem peculiar da pobreza. Tem sido um forte oponente à legalização do casamento gay, bem como ao uso de preservativos para prevenção de doenças. Entre suas prioridades estaria a reforma da Cúria Romana. Há quem considere algumas de suas posturas progressistas. No ano passado criticou duramente os sacerdotes que se recusaram a batizar filhos de mães solteiras e chamou-os de hipócritas. Como amante da poesia e dos livros, aprecia a obra de Fiódor Dostoiévski. Como leitor voraz, lia atentamente até a revista do Partido Comunista da Argentina, mesmo ressaltando jamais ter sido comunista. Combateu os partidários da Teologia da Libertação nos anos 70, impedindo que seus confrades jesuítas se rendessem à proposta esquerdista. Mas não hesitou deixar transparecer sua vocação política através de seu enfoque pastoral com viés social, criticando severamente tanto a pobreza, quanto a corrupção. Em 2001, numa visita a um hospital, lavou e beijou os pés de 12 pacientes com Aids.
Seu país é marcado por frequentes confrontos entre o Estado e a cúpula eclesiástica. A relação entre a presidente Cristina Kirchner e a Igreja é fria e distante. Suas homilias são vistas como críticas ao governo.
Enquanto arcebispo de Buenos Aires, sua rotina começava às 4:30h e terminava às 21h. Seu estilo de vida é sóbrio e austero. Anda de metrô e ônibus como um passageiro qualquer. Dispensou o cozinheiro, e faz a própria comida. Rejeitou a residência oficial oferecida pela Arquidiocese de Buenos Aires, optando por morar em um simples apartamento nos arredores da capital argentina. Quando vai a Roma, viaja de classe econômica.
Como cristão que busca seguir as orientações apostólicas, tomo como encargo interceder pelo novo papa, desejando êxito em sua gestão à frente da ICAR. Peço que Deus lhe conceda a sabedoria necessária para promover as reformas tão sonhadas pelos reformadores protestantes. Se não der conta de realizá-las, que ao menos deixe o caminho preparado para o próximo, já que, a julgar pela sua idade, não deverá ficar muito tempo no cargo.
É possível que este papa tenha para a América Latina importância semelhante ao que João Paulo II teve para o Leste Europeu, sendo um dos principais responsáveis pela queda do Muro de Berlim e do regime comunista. Como conhece bem a realidade do nosso tão sofrido continente, espero que lute em defesa das classes menos favorecidas em vez de empenhar-se em estancar a sangria de fiéis para as igrejas evangélicas.
Ao ser apresentado na Praça de São Pedro, o papa Chico (como já está sendo chamado por aqui) pediu que os romeiros orassem por ele, antes mesmo que os abençoasse. Também solicitou orações pelo papa emérito Bento XVI. Se isso for indicação de sua índole, podemos nutrir boas expectativas de seu pontificado.
Numa conversa recente antes do conclave, disse: "Temos que evitar a doença espiritual de uma igreja auto-referencial. Se a igreja permanece fechada em si mesma, ela fica velha. Entre uma igreja que sofre acidentes na rua e uma igreja que está doente porque é auto-referencial, não tenho dúvidas sobre preferir a primeira".
Para mim, tais declarações soam bem subversivas. Tomara que eu não esteja enganado. Já pensou, um papa que dispense o papa-móvel?
Numa conversa recente antes do conclave, disse: "Temos que evitar a doença espiritual de uma igreja auto-referencial. Se a igreja permanece fechada em si mesma, ela fica velha. Entre uma igreja que sofre acidentes na rua e uma igreja que está doente porque é auto-referencial, não tenho dúvidas sobre preferir a primeira".
Para mim, tais declarações soam bem subversivas. Tomara que eu não esteja enganado. Já pensou, um papa que dispense o papa-móvel?